E ali ficara, entre gente pobre, numa aldeia de terra escassa, vivendo de dois pedaços de pão e uma chávena de leite, com uma batina limpa onde os remendos faziam um mapa, precipitando-se a uma meia légua por um temporal desfeito se um paroquiano tinha uma dor de dentes, passando uma hora a consolar uma velha z quem tinha morrido uma cabra... E sempre de bom humor, sempre com um cruzado no fundo do bolso dos calções para uma necessidade do seu vizinho, grande amigo de todos os rapazitos a quem fazia botes de cortiça, e não duvidando parar, se encontrava uma rapariga bonita, o que era raro na freguesia, e exclamar: "Linda moça, Deus a abençoe! "
E todavia, em novo, a pureza dos seus costumes era tão célebre, que lhe chamavam "a donzela".
De resto, padre perfeito no zelo da Igreja; passando horas de estação aos pés do Santíssimo Sacramento; cumprindo com uma felicidade fervente as menores práticas da vida devota; purificando-se para os trabalhos do dia com uma profunda oração mental, uma meditação de fé, de onde a sua alma saía ágil, como dum banho fortificante; preparando-se para o sono com um destes longos e piedosos exames de consciência, tão úteis, que Santo Agostinho e S. Bernardo faziam do mesmo modo que Plutarco e Sêneca, e que são a correção laboriosa e sutil dos pequenos defeitos, o aperfeiçoamento meticuloso da virtude ativa, empreendido com um fervor de poeta que revê um poema querido... E todo o tempo que tinha vago abismava-se num caos de livros.
Tinha só um defeito o abade Ferrão: gostava de caçar! Coibia-se, porque a caça tira muito tempo, e é sanguinário matar uma pobre ave que anda azafamada pelos campos nos seus negócios domésticos.