O Crime do Padre Amaro - Cap. 23: Capítulo 23 Pág. 429 / 478

Se lhe tivessem esmagado o crânio ao nascer, estava agora com duas asas brancas, cantando nos coros eternos.

Mas enfim não havia que filosofar: era partir para Poiais e falar à ama, à Sra. Joana Carreira.

Saiu, dirigindo-se para a estrada, sem pressa. Ao pé da ponte veio-lhe porém de repente a ideia, a curiosidade de ir à Barrosa ver a tecedeira... Não lhe falaria: examinaria apenas a casa, a figura da mulher, os aspectos sinistros do sítio... Demais como pároco, como autoridade eclesiástica, devia observar aquele pecado organizado num recanto de estrada, impune e rendoso. Podia mesmo denunciá-lo ao senhor vigário-geral ou ao secretário do governo civil...

Tinha ainda tempo, eram apenas quatro horas. Por aquela tarde suave e lustrosa fazia-lhe bem um passeio a cavalo. Não hesitou, então; foi alugar uma égua à estalagem do Cruz; e daí a pouco, de espora no pé esquerdo, choutava a direito pelo caminho da Barrosa.

Ao chegar ao córrego, de que lhe falara a Dionísia, apeou, foi andando com a égua pela arreata. A tarde estava admirável; muito alto no azul, uma grande ave fazia semicírculos vagarosos.

Encontrou enfim o poço atulhado ao pé de dois castanheiros onde pássaros ainda chilreavam; adiante, num terreno plano, muito isolada, lá estava a casa com o seu alpendre; o sol declinando batia-lhe na única janela do lado, acendendo-a num resplendor de ouro e brasa; e, muito delgado, elevava-se da chaminé um fumo claro no ar sereno.

Uma grande paz estendia-se em redor; no monte, escuro da rama dos pinheiros baixos, a capelinha da Barrosa punha a alvura alegre da sua parede muito caiada.

Amaro ia imaginando então a figura da tecedeira; sem saber por quê, supunha-a muito alta, com um carão trigueiro onde dois olhos de bruxa refulgiam.





Os capítulos deste livro