O Crime do Padre Amaro - Cap. 24: Capítulo 24 Pág. 460 / 478

Que as sinistras histórias da Dionísia, a tecedeira de anjos, eram uma legenda insensata. A criança estava muito regalada em casa da Micaela, chupando aquele bom peito de quarentona sã... E vinha-lhe então o mesmo desejo de deixar Leiria, ir enterrar-se em Feirão, levar consigo a Escolástica, educar lá a criança como sobrinho, revivendo nele largamente todas as emoções daquele romance de dois anos; e ali passaria numa paz triste, na saudade de Amélia, até ir como o seu antecessor, o abade Gustavo que também criara um sobrinho em Feirão, repousar para sempre no pequeno cemitério, de Verão sob as flores silvestres, de Inverno sob a neve branca.

Então a Carlota apareceu; e ficou atônita ao reconhecer Amaro, sem passar da cancela, com a testa franzida, a sua bela face muito grave.

- A criança? exclamou Amaro.

Depois dum momento, ela respondeu, sem perturbação:

- Nem me fale nisso, que me tem dado um desgosto... Ontem mesmo, duas horas depois de ter chegado... O pobre anjinho começa a fazer-se roxo, e ali me morreu debaixo dos olhos...

- Mente! gritou Amaro. Quero ver.

- Entre, senhor, se quer ver.

- Mas que lhe disse eu ontem, mulher?

- Que quer, senhor? Morreu. Veja...

Tinha aberto a porta, muito simplesmente, sem cólera nem receio. Amaro entreviu num relance, ao pé da chaminé, um berço coberto com um saiote escarlate.

Sem uma palavra voltou as costas, atirou-se para cima do cavalo. Mas a mulher, muito loquaz subitamente, rompeu a dizer que tinha ido justamente à aldeia para encomendar um caixãozinho decente... Como vira que era filho de pessoa de bem, não o quisera enterrar embrulhado num trapo. Mas enfim, como o senhor ali estava, parecia-lhe razoável que desse algum dinheiro para a despesa... Uns dois mil-réis que fossem.





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