- Nunca se ri? perguntou ele, pondo na voz uma intenção fina.
- às vezes rio quando há de quê, disse ela olhando-o de lado.
- De mim, por exemplo.
- De si!? Ora essa! Está a caçoar comigo? Por que me hei-de eu rir do senhor? Boa!... então o senhor que tem que faça rir? - e agitava o seu leque de seda preta.
Ele calou-se, procurando as ideias, as delicadezas.
- Então sério, sério, não dança?
- Já lhe disse que não. Ai, que é tão perguntador!
- É porque me interesso por si.
- Ora, deixe lá! disse ela fazendo um indolente gesto de negativa.
- Palavra!
Mas a Sra. D. Josefa Dias, que os vigiava, aproximou-se, de testa muito franzida, e João Eduardo levantou-se, intimidado.
Á saída, quando Amélia no corredor punha os seus agasalhos, João Eduardo veio dizer-lhe, de chapéu na mão:
- Cubra-se bem, não apanhe frio!
- Então continua a interessar-se por mim? - disse ela apertando em redor do pescoço as pontas da sua manta de lã.
- O mais possível, creia.
Duas semanas depois veio a Leiria uma companhia ambulante de zarzuela. Falava-se muito da contralto, a Gamacho. A Sra. D. Maria da Assunção tinha um camarote, levou a S. Joaneira e Amélia - que duas noites antes estivera costurando, com uma pressa comovida, um vestido de cassa todo florido de laços de seda azul. João Eduardo na plateia - enquanto a Gamacho, empastada de pó-de-arroz sob a sua mantilha valenciana, vibrando com uma graça decrépita o leque de lantejoulas, garganteava malaguenhas agudas - não se fartou de contemplar, de desejar Amélia. à saída veio cumprimentá-la, oferecer-lhe o braço até a Rua da Misericórdia; a S. Joaneira, a Sra. D. Maria da Assunção seguiam atrás com o tabelião Nunes.
- Então gostou da Gamacho, Sr. João Eduardo?