Havia outro sujeito na sala, o Sr. Alves Coutinho. Era picado das bexigas, tinha a cabeça muito enterrada nos ombros; quando o seu olhar parvo se fixava nas pessoas, com pasmo, o seu bigode pelado arreganhava-se logo por hábito, num sorriso alvar que mostrava uma boca medonha cheia de dentes podres; falava pouco, esfregava sempre as mãos, concordava em tudo; havia nele o ar de um deboche banal e de um embrutecimento antigo. Era um empregado do ministério do Reino, ilustre pela sua boa letra.
Daí a pouco entrou a figura conhecida do Saavedra, redator do Século. A sua face branca parecia mais balofa; o bigode muito preto reluzia de brilhantina; as lunetas de ouro acentuavam o seu tom oficial; trazia ainda no queixo o pó-de-arroz, que lhe pusera momentos antes o barbeiro; e a mão, que escrevia tanta banalidade e tanta mentira, vinha aperreada numa luva nova, cor de gema de ovo.
- Estamos todos! - disse com júbilo o Conselheiro. E curvando-se: - Bem-vindos, meus amigos! Estamos talvez mais à vontade no meu quarto de estudo! Por aqui. Há um degrau, cuidado! Eis o meu Sancra Sancrorum!
Numa saleta muito espanejada a que as cortinas de cassa, a luz de duas janelas de peitoril e o papel claro davam um aspecto alvadio, estava a larga escrivaninha de trabalho, com um tinteiro de prata, os lápis muito aparados, as réguas bem dispostas. Via-se o sinete de armas do Conselheiro, pousado sobre a Carta Constitucional ricamente encadernada. Encaixilhada, na parede, pendia a carta régia que o nomeara Conselheiro; defronte uma litografia de El-rei; e sobre uma mesa era eminente o busto em gesso de Rodrigo da Fonseca Magalhães, tendo no alto da cabeça uma coroa de perpétuas - que ao mesmo tempo o glorificava e o chorava.
Julião pusera-se logo a examinar a livraria.