- Esteve tarde. Lá pelas duas horas.
O Conselheiro sacudiu o papel com um desespero mudo; por trás dos vidros da luneta escura fuzilavam-lhe nos olhos os despeitos homicidas de autor interrompido. Mas prosseguiu:
- "...E vós, ó almas sensíveis, vertei as lágrimas, mas vertendo-as, não percais de vista que o homem deve curvar-se aos decretos da Providência..."
E interrompendo-se:
- Isto é para dar coragem ao nosso pobre Jorge! - Continuou: - "... da Providência. Deus conta com mais um anjo, e a sua alma brilha pura..."
- Esteve com a pequena, o Sô Guedes? - fez o sujeito, quebrando no mármore da mesa a cinza do charuto.
O Conselheiro suspendeu-se, pálido de raiva.
- Deve ser pessoa da mais baixa extração! - rosnou com ódio.
E o criado erguendo a vozinha fina detrás do balcão:
- Não, não; tem vindo agora com uma espanhola daí de cima da rua. Uma magrinha, com o cabelo eriçado, uma capa vermelha.
- A Lola! - acudiu o outro com satisfação. E espreguiçou-se com voluptuosidade à recordação da Lola.
O Conselheiro agora apressava-se:
- "... E de resto, o que é a vida? Uma rápida passagem sobre o orbe, e vão sonho de que acordamos no seio do Deus dos Exércitos, de que todos nos indignos vassalos."
E com esta frase monárquica o Conselheiro terminou.
- Que lhe parece, com franqueza?
Julião sorveu o fundo da chávena, e colocando-a devagar no pires, lambendo os beiços:
- É para imprimir?
- Na Voz Popular com tarjeta preta.
Julião coçou convulsivamente a caspa, e erguendo-se:
- Está muito bom. Muito bom, Conselheiro!
E Acácio procurando o troco para o moço:
- Creio que está digno dela, e de mim!
E saíram calados.
A noite estava muito escura; erguera-se um nordeste frio; gotas de chuva tinham caído.