Ao Loreto, Julião parou subitamente; e exclamou:
- Ai, esquecia-me! Sabe a novidade, Conselheiro? A D. Felicidade recolhe-se à Encarnação.
- Ah!
- Disse-mo agora. Eu fui justamente vê-la antes de ir ver um doente à Rua da Rosa. Estava com uma febrezita. Coisa de nada... A comoção, o susto! E deu-me parte: recolhe-se amanhã à Encarnação.
O Conselheiro disse:
- Sempre conheci naquela senhora idéias retrógradas. É o resultado das manobras jesuíticas, meu amigo! - E ajuntou com a melancolia do liberal descontente: - A reação levanta a cabeça!
Julião tomou familiarmente o braço do Conselheiro, e sorrindo:
- Qual reação! É por sua causa, ingrato...
O Conselheiro estacou:
- Que quer o meu nobre amigo insinuar?
- Sim, homem! Não sei como diabo descobriu uma coisa grave...
- O quê? Acredite...
- O que eu também descobri, seu maganão! Que o Conselheiro tem duas travesseirinhas na cama, tendo só uma cabeça... Disse-mo ela! - E rindo muito, dizendo-lhe "adeus! adeus!" desceu rapidamente a Rua do Alecrim. O Conselheiro ficou imóvel, no largo, de braços cruzados, como petrificado. - Que infeliz senhora! Que funesta paixão! - murmurou enfim. E acariciou o bigode, com satisfação.
Como tinha de passar a limpo o necrológio apressou-se a entrar em casa. Abancou com uma manta sobre os joelhos; bem depressa as responsabilidades de prosador distraíram-no das preocupações de homem; e até às onze horas a sua bela letra cursiva e burocrática desenrolou-se nobremente sobre uma larga folha de papel inglês, no silêncio do seu Sanctum Sanctotum. Terminava quando a porta rangeu, e a Adelaide, com um xale forte pelos ombros, veio dizer, numa voz constipada:
- Então hoje não se faz nenê?
- Não tardo, minha Adelaide, não tardo!
E releu baixo, enlevado.