- É o Craft! gritou Ega, debruçando-se pela portinhola.
O coupé parou. Ega de um pulo estava na calçada, correndo, bradando:
- Oh Craft! oh Craft!
Quando, daí a um momento, sentiu duas vozes aproximarem-se, Carlos desceu também do coupé, achou-se em face de um homem baixo, louro, de pele rosada e fresca, e aparência fria. Sob o fraque correcto percebia-se-lhe uma musculatura de atleta.
- O Carlos, o Craft, gritou o Ega, lançando esta apresentação com uma simplicidade clássica.
Os dois homens, sorrindo, tinham-se apertado a mão. E Ega insistia para que voltassem todos à Vila Balzac, fossem beber a outra garrafa de Champagne, a celebrar o advento do Justo! Craft recusou, com o seu modo calmo e plácido; chegara na véspera do Porto, abraçara já o nobre Ega, e aproveitava agora a viagem àquele bairro longínquo para ir ver o velho Shlegen, um alemão que vivia à Penha de França.
- Então outra cousa! exclamou Ega. Para conversarmos, para que vocês se conheçam mais, venham vocês jantar comigo amanhã ao Hotel Central. Dito, hein? Perfeitamente. às seis.
Apenas o coupé partiu de novo, Ega rompeu nas costumadas admirações pelo Craft, encantado com aquele encontro que dava mais um retoque luminoso à sua alegria. O que o entusiasmava no Craft era aquele ar imperturbável de gentleman correcto, com que ele igualmente jogaria uma partida de bilhar, entraria numa batalha, arremeteria com uma mulher, ou partiria para a Patagónia...
- É das melhores coisas que tem Lisboa. Vais-te morrer por ele... E que casa que ele tem nos Olivais, que sublime bric-à-brac!
Subitamente estacou, e com um olhar inquieto, uma ruga na testa:
- Como diabo soube ele da Vila Balzac?
- Tu não fazes segredo dela, hein?
- Não... Mas também não a pus nos anúncios! E o Craft chegou ontem, ainda não esteve com ninguém que eu conheça... É curioso!
- Em Lisboa sabe-se tudo...
- Canalha de terra! murmurou Ega.