Os Maias - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 135 / 630

Carlos, tranquilamente, ofereceu dez tostões. Craft pasmou de uma tal prodigalidade; e o bom Abraão, num riso mudo que lhe abria entre a barba grisalha uma grande boca de um só dente, saboreou muito a «chalaça dos seus ricos senhores.» Dez tostõezinhos! Se o quadrinho tivesse por baixo o nomezinho de Fortuny, valia dez continhos de réis. Mas não tinha esse nomezinho bendito... Ainda assim valia dez notazinhas de vinte mil réis...

- Dez cordas para te enforcar, hebreu sem alma! exclamou Carlos.

E saíram, deixando o velho intrujão à porta, curvado em dois, com as mãos sobre o coração, desejando mil felicidades aos seus generosos fidalgos...

- Não tem uma única coisa boa, este velho Abraão, disse Carlos.

- Tem a filha, disse o Craft.

Carlos achava-a bonita, mas horrivelmente suja.

Então, a propósito do Abraão, falou a Craft dessas belas colecções dos Olivais, que o Ega, apesar do desdém que afectava pelo bibelot e pelo móvel de arte, lhe descrevera como sublimes.

Craft encolheu os ombros.

- O Ega não entende nada. Mesmo em Lisboa, não se pode chamar ao que eu tenho uma colecção. É um bric-à-brac de acaso... De que, de resto, me vou desfazer!

Isto surpreendeu Carlos. Compreendera das palavras do Ega ser essa uma colecção formada com amor, no laborioso decurso de anos, orgulho e cuidado de uma existência de homem...

Craft sorrio daquela legenda. A verdade era que só em 1872, ele começara a interessar-se pelo bric-à-brac; chegava então da America do Sul; e o que fora comprando, descobrindo aqui e além, acumulara-o nessa casa dos Olivais, alugada então por fantasia, uma manhã que aquele pardieiro, com o seu bocado de quintal em redor, lhe parecera pitoresco, sob o sol de abril. Mas agora se pudesse desfazer-se do que tinha, ia dedicar-se então a formar uma colecção homogénea e compacta de arte do século dezoito.

- Aqui nos Olivais?

- Não. Numa quinta que tenho ao pé do Porto, junto mesmo ao rio.





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