Este inútil pardieiro (como lhe chamava Vilaça Júnior, agora por morte de seu pai administrador dos Maias) só veio a servir, nos fins de 1870, para lá se arrecadarem as mobílias e as louças provenientes do palacete de família em Benfica, morada quase histórica, que, depois de andar anos em praça, fora então comprada por um comendador brasileiro. Nessa ocasião vendera-se outra propriedade dos Maias, a Tojeira; e algumas raras pessoas que em Lisboa ainda se lembravam dos Maias, e sabiam que desde a Regeneração eles viviam retirados na sua quinta de Santa Olávia, nas margens do Douro, tinham perguntado a Vilaça se essa gente estava atrapalhada.
- Ainda têm um pedaço de pão, disse Vilaça sorrindo, e a manteiga para lhe barrar por cima.
Os Maias eram uma antiga família da Beira, sempre pouco numerosa, sem linhas colaterais, sem parentelas - e agora reduzida a dois varões, o senhor da casa, Afonso da Maia, um velho já, quase um antepassado, mais idoso que o século, e seu neto Carlos que estudava medicina em Coimbra. Quando Afonso se retirara definitivamente para Santa Olávia, o rendimento da casa excedia já cinquenta mil cruzados: mas desde então tinham-se acumulado as economias de vinte anos de aldeia; viera também a herança de um último parente, Sebastião da Maia, que desde 1830 vivia em Nápoles, só, ocupando-se de numismática; - e o procurador podia certamente sorrir com segurança quando falava dos Maias e da sua fatia de pão.
A venda da Tojeira fora realmente aconselhada por Vilaça: mas nunca ele aprovara que Afonso se desfizesse de Benfica – só pela razão daqueles muros terem visto tantos desgostos domésticos. Isso, como dizia Vilaça, acontecia a todos os muros.