Os Maias - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 20 / 630

Em todo o caso quando Lisboa descobriu aquela legenda de sangue e negros, o entusiasmo pela Monforte calmou. Que diabo! Juno tinha sangue de assassino, a Belta do Ticiano era filha de negreiro! As senhoras, deliciando-se em vilipendiar uma mulher tão loira, tão linda e com tantas joias, chamaram-lhe logo a negreira! Quando ela aparecia agora no teatro, D. Maria da Gama afectava esconder a face detrás do leque, porque lhe parecia ver na rapariga (sobretudo quando ela usava os seus belos rubis) o sangue das facadas que dera o papázinho! E tinham-na caluniado abominavelmente. Assim, depois de passarem em Lisboa o primeiro inverno, os Monfortes sumiram-se: pois disse-se logo, com furor, que estavam arruinados, que a polícia perseguia o velho, mil perversidades... O excelente Monforte, que sofre de reumatismos articulares, achava-se tranquilamente, ricamente, tomando as águas dos Pirinéus... Fora lá que o Melo os conhecera...

- Ah! o Melo conhece-os? exclamou Pedro.

- Sim, meu Pedro, o Melo os conhece.

Pedro daí a um momento deixou o Marrare; e nessa noite, antes de recolher, apesar da chuva fria e miúda, andou rondando uma hora, com a imaginação toda acesa, o palacete dos Vargas apagado e mudo. Depois, daí a duas semanas o Alencar, entrando em S. Carlos ao fim do primeiro acto do Barbeiro, ficou assombrado ao ver Pedro da Maia instalado na frisa da Monforte, à frente, ao lado de Maria, com uma camélia escarlate na casaca - igual às de um ramo pousado no rebordo de veludo.

Nunca Maria Monforte aparecera mais bela: tinha uma dessas toiletes excessivas e teatrais que ofendiam Lisboa, e faziam dizer às senhoras que ela se vestia «como uma cómica». Estava de seda cor de trigo, com duas rosas amarelas e uma espiga nas tranças, opalas sobre o colo e nos braços; e estes tons de ceara madura batida do sol, fundindo-se com o ouro dos cabelos, iluminando-lhe a carnação ebúrnea, banhando as suas formas de estátua, davam-lhe o esplendor de uma Ceres. Ao fundo entreviam-se os grandes bigodes loiros do Melo, que conversava de pé com o papá Monforte - escondido como sempre no canto negro da frisa.





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