Os Maias - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 234 / 630

- O que, o Cohen! exclamou Ega. É um covarde, é um canalha!... Ou o mato, ou lhe rasgo a cara com um chicote. Desafiar-me! Olha quem... Tu estás doido...

E recomeçou o seu passear desabalado do espelho para a janela, soprando, rilhando os dentes, com repelões para traz ao manto que faziam oscilar, nas serpentinas, as chamas altas das velas.

Carlos não dizia nada, de pé junto da mesa, enchendo lentamente de novo a sua chávena. Tudo aquilo começava a parecer-lhe pouco sério, pouco digno, as ameaças de pontapés do marido, os furores melodramáticos do Ega: - e mesmo não podia deixar de sorrir diante daquele Mefistófeles esgrouviado, espalhando pelo quarto o brilho escarlate do seu manto de veludo, e a falar furiosamente de honra e de morte, com sobrancelhas postiças, e escarcela de couro à cinta.

- Vamos falar ao Craft! exclamou de repente Ega, parando, com esta brusca resolução. Quero ver o que diz o Craft. Tenho lá em baixo uma tipoia, estamos lá num instante!

- Ir agora à quinta, aos Olivais? disse Carlos, olhando o relógio.

- Se és meu amigo, Carlos!...

Carlos imediatamente, sem chamar o Baptista, acabou de se vestir.

Ega, no entanto, ia preparando uma chávena de chá, deitando-lhe rum, ainda tão nervoso, que mal podia segurar a garrafa. Depois, com um grande suspiro, acendeu uma cigarrete. Carlos entrara na alcova de banho, ao lado, alumiada por um forte jacto de gás que assobiava. Fora, a chuva continuava seguida e monótona, as goteiras escoavam-se no chão mole do jardim.

- Achas que a tipoia aguentará? perguntou Carlos de dentro.

- Aguenta, é o Canhôto, disse Ega.

Agora reparara no dominó, fora erguê-lo, examinava-lhe o cetim rico, o belo laço azul claro. Depois, tendo encontrado diante de si o grande espelho-psiché, entalou o monóculo no olho, recuou um passo, contemplou-se de alto a baixo; - e terminou por pousar uma das mãos na cinta, apoiar a outra, galhardamente, sobre os copos da espada.

- Eu não estava mal, oh Carlos, hein?

- Estavas esplêndido, respondeu o outro de dentro da alcova. Foi pena estragar-se tudo... Como estava ela?

- Devia estar de Margarida.

- E ele?

- A besta? De beduíno.





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