Os Maias - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 268 / 630

E acredite uma cousa: é que se nesta triste geração moderna ainda há em Lisboa uns rapazes com certo músculo, a espinha direita, e capazes de dar um bom soco, deve-se isso ao touro e à tourada de curiosos...

O marquês entusiasmado bateu as palmas. Aquilo é que era falar! Aquilo é que era dar a filosofia do toiro! Está claro que a tourada era uma grande educação física! E havia imbecis que falavam em acabar com os touros! Oh, estúpidos, acabais então com a coragem portuguesa!...

- Nós não temos os jogos de destreza das outras nações, exclamava ele, bracejando pela sala e esquecido dos seus males. Não temos o cricket, nem o footbal, nem o runing, como os ingleses; não temos a ginástica como ela se faz em França; não temos o serviço militar obrigatório que é o que torna o alemão solido... Não temos nada capaz de dar a um rapaz um bocado de fibra. Temos só a tourada... Tirem a tourada, e não ficam senão badamecos derreados da espinha, a melarem-se pelo Chiado! Pois você não acha, Craft?

Craft, do canto do sofá, onde Carlos se fora sentar e lhe falava baixo, respondeu, convencido:

- O que, o touro? Está claro! o touro devia ser neste país como o ensino é lá fora: gratuito e obrigatório.

Dâmaso no entanto jurava a Afonso compenetradamente que gostava também muito de touros. Ah, lá nessas coisas de patriotismo ninguém lhe levava a palma... Mas as corridas tinham outro chic! Aqueles Bois de Boulogne, num dia de Grand-Prix, hein!... Era de embatucar!

- Sabes o que é pena? exclamou ele voltando-se de repente para Carlos. É que tu não tenhas um four-in-hand, um mail coach. Íamos todos d'aqui, caía tudo de chic!

Carlos pensou também consigo que era uma pena não ter um four-in-hand. Mas gracejou, achando mais em harmonia com o Jockey Club da travessa da Conceição irem todos dentro de um ónibus.

Dâmaso voltou-se para o velho, deixando cair os braços, descorçoado:

- Aí está, Sr. Afonso da Maia! Aí está por que em Portugal nunca se faz nada em termos! É por que ninguém quer concorrer para que as coisas saiam bem... Assim não é possível! Eu cá entendo isto: que num país, cada pessoa deve contribuir, quanto possa, para a civilização.





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