Os Maias - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 270 / 630

E desejava antes de jantar ir ao quarto de Carlos gargarejar com água e sal...

- E é isto um português forte! exclamou Carlos, travando-lhe alegremente do braço.

- Eu sou piegas na garganta, replicou logo o marquês, desprendendo-se dele e olhando-o com ferocidade. E você é-o no sentimento. E o Craft é-o na respeitabilidade. E o Dâmasozinho é-o na tolice. Em Portugal é tudo Pieguice e Companhia!

Carlos rindo, arrastou-o pelo corredor. E de repente, ao entrarem na antecâmara, deram com Afonso falando a uma mulher, carregada de luto, que lhe beijava a mão, meia de joelhos, sufocada de lágrimas: e ao lado outra mulher, com os olhos turvos de água também, embalava dentro do xaile uma criancinha que parecia doente e gemia. Carlos parara embaraçado; o marquês instintivamente levou a mão à algibeira. Mas o velho, assim surpreendido na sua caridade, foi logo empurrando as duas mulheres para a escada: elas desciam, encolhidas, abençoando-o, num murmúrio de soluços; e ele voltando-se para Carlos, quase se desculpou numa voz que ainda tremia:

- Sempre estes peditórios... Caso bem triste todavia... E o que é pior é que por mais que se dê nunca se dá bastante. Mundo muito mal feito, marquês.

- Mundo muito mal feito, Sr. Afonso da Maia, respondeu o marquês comovido.

No domingo seguinte, pelas duas horas, Carlos no seu fáeton de oito molas, levando ao lado Craft que durante os dois dias de corridas se instalara no Ramalhete, parou ao fim do largo de Belém, no momento em que para o lado do Hipódromo estavam já estalando foguetes. Um dos criados desceu a comprar o bilhete de pesagem para o Craft, numa tosca guarita de madeira, armada ali de véspera, onde se mexia um homenzinho de grandes barbas grisalhas. Era um dia já quente, azul ferrete, com um desses rutilantes soes de festa que inflamam as pedras da rua, doiram a poeirada baça do ar, põem fulgores de espelho pelas vidraças, dão a toda a cidade essa branca faiscação de cal, de um vivo monótono e implacável, que na lentidão das horas de verão cansa a alma, e vagamente entristece.





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