E nestes delírios pela filha, brotava, mais amarga, a sua cólera contra Afonso da Maia. Considerava-se então insultada em si mesma e naquele querubim que lhe nascera. Injuriava o velho grosseiramente, chamava-lhe o D. Fuas, o Barbatanas...
Pedro um dia ouviu isto, e escandalizou-se: ela replicou desabridamente: e diante daquela face abrasada, onde entre lágrimas os olhos azuis pareciam negros de cólera, ele só pode balbuciar timidamente:
- É meu pai, Maria...
Seu pai! E à face de toda a Lisboa tratava-a então como uma concubina! Podia ser um fidalgo, as maneiras eram de vilão. Um D. Fuas, um Barbatanas, nada mais!...
Arrebatou a filha, e abraçada nela, romperam as queixas por entre os prantos:
- Ninguém nos ama, meu anjo! Ninguém te quer! Tens só a tua mãe! Tratam-te como se fosses bastarda!
A bebé, sacudida nos braços da mãe, desatou a gritar. Pedro correu, envolveu-as ambas no mesmo abraço, já enternecido, já humilde; e tudo terminou num longo beijo.
E ele, por fim, no seu coração, justificava aquela cólera de mãe que vê desprezado o seu anjo. De resto, mesmo alguns amigos de Pedro, o Alencar, o D. João da Cunha, que começavam agora a frequentar Arroios, riam daquela obstinação de pai gótico, amuado na província, porque sua nora não tivera avós mortos em Aljubarrota! E onde havia outra em Lisboa, com aquelas toiletes, aquela graça, recebendo tão bem? Que diabo, o mundo marchara, saíra-se já das atitudes empertigadas do século XVI!
E o próprio Vilaça, um dia que Pedro lhe fora mostrar a pequerruchinha adormecida entre as rendas do seu berço, sensibilizou-se, veio-lhe uma da suas fáceis lágrimas, declarou, com a mão no coração, que aquilo era uma caturrice do Sr. Afonso da Maia!
- Pois pior para ele! não querer ver um anjo destes! disse Maria, dando diante do espelho um lindo jeito às flores do cabelo.
Também não faz cá falta...