- Não sabia, disse ele com um sorriso infinitamente superior, que esse filósofo tivesse escrito sobre assuntos escabrosos!
Ega atirou os braços ao ar, consternado:
- Oh Sr. Sousa Neto! Então V. Ex.ª, um chefe de família, acha o amor um assunto escabroso?!
O Sr. Neto encordoou. E muito direito, muito digno, falando do alto da sua considerável posição burocrática:
- É meu costume, Sr. Ega, não entrar nunca em discussões, e acatar rodas as opiniões alheias, mesmo quando elas sejam absurdas...
E quase voltou as costas ao Ega, dirigindo-se outra vez a Carlos, desejando saber, numa voz ainda um pouco alterada, se ele agora se fixava algum tempo mais em Portugal. Então, durante um momento, acabando os charutos, os dois falaram de viagens. O Sr. Neto lamentava que os seus muitos deveres não lhe permitissem percorrer a Europa. Em pequeno fora esse o seu ideal; mas agora, com tantas ocupações públicas, via-se forçado a não deixar a carteira. E ali estava, sem ter visto sequer Badajoz...
- E V. Ex.ª de que gostou mais, de Paris ou de Londres?
Carlos realmente não sabia, nem se podia comparar... Duas cidades tão diferentes, duas civilizações tão originais...
- Em Londres, observou o conselheiro, tudo carvão...
Sim, dizia Carlos sorrindo, bastante carvão, sobretudo nos fogões, quando havia frio...
O Sr. Sonsa Neto murmurou:
- E o frio ali deve ser sempre considerável... Clima tão ao norte!...
Esteve um momento mamando o charuto, de pálpebra cerrada. Depois, fez esta observação sagaz e profunda:
- Povo prático, povo essencialmente prático.
- Sim, bastante prático, disse vagamente Carlos, dando um passo para a sala, onde se sentiam as risadas cantantes da baronesa.
- E diga-me outra coisa, prosseguiu o Sr. Sousa Neto, com interesse, cheio de curiosidade inteligente. Encontra-se por lá, em Inglaterra, desta literatura amena, como entre nós, folhetinistas, poetas de pulso?...
Carlos deitou a ponta do charuto para o cinzeiro, e respondeu, com descaro:
- Não, não há disso.
- Logo vi, murmurou Sousa Neto. Tudo gente de negócio.