Carlos murmurou com um esforço:
- Leia V. Ex.ª
Castro Gomes desdobrou o papel, e revirou-o um instante entre os dedos.
- Como V. Ex.ª vê, é a carta anónima em todo o seu horror: papel de mercearia, pautadinho de azul; caligrafia reles; tinta reles; cheiro reles. Um documento odioso. E aqui está como ele se exprime: «Um homem que teve a honra de apertar a mão de V. Ex.ª» Eu dispensava a honra... «que teve a honra de apertar a mão de V. Ex.ª e de apreciar o seu cavalheirismo, julga dever preveni-lo que sua mulher é, à vista de toda a Lisboa, a amante de um rapaz muito conhecido aqui, Carlos Eduardo da Maia, que vive numa casa ás Janelas Verdes, chamada o Ramalhete. Este herói, que é muito rico, comprou expressamente uma quinta nos Olivais, onde instalou a mulher de V. Ex.ª e onde a vai ver todos os dias, ficando às vezes, com escândalo da vizinhança, até de madrugada. Assim o nome honrado de V. Ex.ª anda pelas lamas da capital. » É tudo o que diz a carta; e eu só devo acrescentar, porque o sei, que tudo quanto ela diz é incontestavelmente exacto... O Sr. Carlos da Maia é pois publicamente, com conhecimento de toda a Lisboa, o amante dessa senhora.
Carlos ergueu-se, muito sereno. E abrindo de leve os braços, numa aceitação inteira de todas as responsabilidades:
- Não tenho então nada a dizer a V. Ex.ª senão que estou às suas ordens!...
Uma fugitiva onda de sangue avivou a palidez morena de Castro Gomes. Dobrou a carta, guardou-a com todo o vagar na carteira. Depois, sorrindo friamente:
- Perdão... O Sr. Carlos da Maia sabe, tão bem como eu, que se isto tivesse de ter uma solução, violenta, eu não viria aqui pessoalmente, a sua casa, ler-lhe este papel... A coisa é inteiramente outra.
Carlos recaíra na cadeira, assombrado. E agora a lentidão adocicada daquela voz ia-se-lhe tornando intolerável. Um confuso terror do que viria desses lábios, que sorriam com uma palidez impertinente, quase fazia estalar o seu pobre coração. E era um desejo brutal de lhe gritar que acabasse, que o matasse, ou que saísse daquela sala, onde a sua presença era uma inutilidade ou uma torpeza!...