Os Maias - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 420 / 630

Achava-se por acaso revestida de uma excelente posição social e de um nome puro, seria mais que humano que o seu amor da verdade a levasse, apenas conhecia alguém, a declarar que posição e nome eram de empréstimo e ela era apenas «Fulana de tal, amigada...» De resto, sejamos justos, ela não era moralmente obrigada a dar semelhantes explicações ao tendeiro que lhe vendia a manteiga, ou à matrona que lhe alugava a casa: nem mesmo, penso eu, a ninguém, a não ser a um pai que lhe quisesse apresentar sua filha, saída do convento... Demais a mais sou eu que tenho um pouco a culpa; muitas vezes, em coisas relativamente delicadas lhe deixei usar o meu nome. Foi, por exemplo, com o nome de Castro Gomes que ela tomou a governante inglesa. As inglesas são tão exigentes!... Aquela, sobretudo, uma rapariga tão séria... Enfim tudo isso passou... O que importa agora é que eu lhe retiro solenemente o nome que lhe emprestara; e ela fica apenas com o seu, que é Madame Mac-Gren.

Carlos ergueu-se, lívido. E com as mãos fincadas nas costas da cadeira tão fortemente, que quase lhe esgaçava o estofo:

- Mais nada, creio eu?

Castro Gomes mordeu de leve os beiços perante este remate brutal que o despediu.

- Mais nada, disse ele tomando o chapéu e levantando-se muito vagarosamente. Devo apenas acrescentar, para evitar a V. Ex.ª suspeitas injustas, que aquela senhora não é uma menina que eu tivesse seduzido, e a quem recuse uma reparação. A pequerruchinha que ali anda não é minha filha... Eu conheço a mãe somente há três anos... Vinha dos braços de um qualquer, passou para os meus... Posso pois dizer, sem injúria, que era uma mulher que eu pagava.

Completara com esta palavra a humilhação do outro. Estava deliciosamente desforrado. Carlos, mudo, abrira o reposteiro da sala, numa sacudidela brusca.





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