Os Maias - Cap. 15: Capítulo 15 Pág. 449 / 630

O pobre rapaz batia também o lajedo numa luta tormentosa pela vida. Mas era irlandês; e partiu logo generosamente, armado de todos os seus ardis, a conquistar através de Londres o pouco que elas necessitavam para recolher a França. Com efeito apareceu nessa mesma noite, derreado e triunfante, brandindo três notas de banco e uma garrafa de champagne. A mamã ao ver, depois de tantos meses de chá preto, a garrafa de Clicquot encarapuçada de ouro – quase desmaiou, de enternecimento. Enfardelaram os trapos. Ao partirem, na estação de Charing-Cross, o irlandês levou-a para um canto, e engasgado, torcendo os bigodes, disse-lhe que Mac-Gren tinha morrido na batalha de Saint-Privat...

- Para que te hei de eu contar o resto? Em Paris recomecei a procurar trabalho. Mas tudo estava ainda em confusão... Quase imediatamente veio a Comuna... podes acreditar que muitas vezes tivemos fome. Mas enfim já não era Londres, nem o inverno, nem o exilio. Estávamos em Paris, sofríamos de companhia com amigos doutros tempos. Já não parecia tão terrível... Com todas estas privações a pobre Rosa começava a definhar... Era um suplício vê-la perder as cores, tristinha, mal vestida, metida numa trapeira... A mamã já se queixava da doença de coração que a matou... O trabalho que eu encontrava, mal pago, dava-nos apenas para a renda da casa, e para não morrer absolutamente de necessidade... Principiei a adoecer de ansiedade, de desespero. Lutei ainda. A mamã fazia dó. E Rosa morria se não tivesse outro regímen, bom ar, algum conforto... Conheci então Castro Gomes em casa de uma antiga amiga da mamã, que não perdera nada com a guerra, nem com os Prússianos, e que me dava trabalhos de costura... E o resto sabê-lo... Nem eu me lembro... Fui levada... Via às vezes Rosa, coitadinha, embrulhada num chale, muito quietinha ao seu canto, depois de rapada a sua magra tigela de sopas, e ainda com fome...

Não pôde continuar; rompeu a chorar, caída sobre os joelhos de Carlos. E ele na sua emoção só lhe podia dizer, passando-lhe as mãos tremulas pelos cabelos, que a havia de desforrar bem de todas as misérias passadas...





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