Os Maias - Cap. 15: Capítulo 15 Pág. 456 / 630

E relembrou então a sua velha ideia do Cenáculo, representado por uma Revista que dirigisse a literatura, educasse o gosto, elevasse a política, fizesse a civilização, remoçasse o carunchoso Portugal... Carlos, pelo seu espirito, pela sua fortuna (até pela sua figura, ajuntava o Ega rindo) devia tomar a direcção deste movimento. E que profunda alegria para o velho Afonso da Maia!

Maria escutava, presa e séria. Sentia bem quanto Carlos, com uma vida toda de inteligência e de actividade, reabilitaria supremamente aquela união mostrando-lhe a influência fecunda e purificadora.

- Tem razão, tem bem razão! exclamava ela com ardor.

- Sem contar, acrescentava o Ega, que o país precisa de nós! Como muito bem diz o nosso querido e imbelíssimo Gouvarinho, o país não tem pessoal... Como há de tê-lo, se nós, que possuímos as aptidões, nos contentamos em governar os nossos dog-carts e escrever a vida íntima dos átomos? Sou eu, minha senhora, sou eu que ando a escrever essa biografia de um átomo!... No fim, este diletantismo é absurdo. Clamamos por aí, em botequins e livros, «que o país é uma choldra». Mas que diabo! Porque é que não trabalhamos para o refundir, o refazer ao nosso gosto e pelo molde perfeito das nossas ideias?... V. Ex.ª não conhece este país, minha senhora. É admirável! É uma pouca de cera inerte de primeira qualidade. A questão toda está em quem a trabalha. Até aqui a cera tem estado em mãos brutas, banais, toscas, reles, rotineiras... É necessário pô-la em mãos de artistas, nas nossas. Vamos fazer disto um bijou!...

Carlos ria, preparando numa travessa o ananás com sumo de laranja e vinho da Madeira. Mas Maria não queria que ele risse. A ideia do Ega parecia-lhe superior, inspirada num alto dever. Quase tinha remorsos, dizia ela, daquela preguiça de Carlos. E agora, que ia ser cerrado de afeição serena, queria-o ver trabalhar, mostrar-se, dominar...

- Com efeito, disse o Ega recostado e sorrindo, a era do romance findou. E agora...

Mas o Domingos servia o ananás. E o Ega provou e rompeu em clamores de entusiasmo. Oh que maravilha! Oh que delicia!

- Como fazes tu isto? Com Madeira...





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