Os Maias - Cap. 15: Capítulo 15 Pág. 463 / 630

Tinha para isso um papel especial, de um tom macio de marfim: e, com o dedinho no ar, ia desenrolando as pesadas considerações de Carlos sobre o Vitalismo e o Transformismo na graça delicada de uma renda... Um beijo pagava-a de tudo.

Às vezes Carlos dava lições a Rosa - ora de história, contando-lha familiarmente como um conto de fadas; ora de geografia, interessando-a pelas terras onde vivem gentes negras, e pelos velhos rios que correm entre as ruínas dos santuários. Isto era o prazer mais alto de Maria. Séria, muda, cheia de religião, escutava aquele ser bem-amado ensinando sua filha. Deixava escapar das mãos o trabalho - e o interesse de Carlos, a enlevada atenção de Rosa sentada aos pés dele, bebendo aquelas belas histórias de Joana d'Arc ou das caravelas que foram à Índia, fazia resplandecer nos seus olhos uma névoa de lágrimas felizes...

Desde o meado de outubro Afonso da Maia falava da sua partida de Santa Olávia, retardada apenas por algumas obras que começara na parte velha da casa e nas cocheiras: porque ultimamente invadira-o a paixão de edificar - sentindo-se remoçar, como ele dizia, no contacto das madeiras novas e no cheiro vivo das tintas. Carlos e Maria pensavam também em abandonar os Olivais. Carlos não poderia por dever domestico permanecer ali instalado desde que o avô recolhesse ao Ramalhete. Além disso aquele fim de outono ia escuro e agreste; e a Toca era agora pouco bucólica, com a quinta desfolhada e alagada, uma névoa sobre o rio, e um fogão único no gabinete de cretones - além da sumptuosa chaminé da sala de jantar, que, por entre os seus Núbios de olhos de cristal, solfava uma fumaraça odiosa quando o Domingos a tentava acender.

Numa dessas manhãs, Carlos, que ficara até tarde com Maria, e depois no seu delgado casebre mal pudera dormir com um temporal de vento e água desencadeado de madrugada - ergueu-se às nove horas, veio à Toca. As janelas do quarto de Maria conservavam-se ainda cerradas; a manhã clareara; a quinta lavada, meio despida, no ar fino e azul, tinha uma linda e silenciosa graça de inverno. Carlos passeava, olhando os vasos onde os crisântemos floriam, quando retiniu a sineta do portão.





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