Que efeito, que soberbo efeito se aquela confissão do «nosso distinto
sportman» surgisse um dia na Gazeta Ilustrada ou
no novo jornal A Tarde, nas colunas do High-life, sob este titulo- PENDÊNCIA D'HONRA! E que lição, que meritório acto de justiça social!
Todo esse verão, Ega detestara o Dâmaso, certo, desde Sintra, de que ele era o amante da Cohen - e de que, por esse imbecil de grossas nádegas, esquecera ela para sempre a vila Balzac, as manhãs na colcha de cetim preto, os seus beijos delicados, os versos de Musset que lhe lia, os lanchezinhos de perdiz, tantos encantos poéticos. Mas o que lhe tornara o Dâmaso intolerável - fora a sua farófia radiante de homem preferido; o ar de posse com que passeava ao lado de Rachel pelas estradas de Sintra, vestido de flanela branca; os segredinhos que tinha sempre a cochichar-lhe sobre o ombro; e o aceno desdenhoso, com um dedo, que lhe atirava de lado, ao passar, a ele próprio, Ega... Era odioso! Odiava-o: e através desse odio ruminara sempre o desejo de uma vingança - pancada, desonra ou ridículo que tornasse o Sr. Salcede, aos olhos de Rachel, desprezível, grutesco, chato como um balão furado...
E agora ali tinha essa carta providencial, em que o homem solenemente se declarava bêbedo. «Sou um bêbedo, estou sempre bêbedo»! Assim o dizia, no seu papel de monograma de ouro, o Sr. Salcede, num medo vil de cão gozo, rastejando com o rabo entre as pernas diante de qualquer pau!... Nenhuma mulher resistiria a isto... E havia d'encafuar tão decisivo documento no fundo de um gavetão?
Publicá-lo na Gazeta Ilustrada ou na Tarde não podia, infelizmente, por interesse de Carlos. Mas porque o não mostraria «em segredo», como uma curiosidade psicológica, ao Craft, ao marquês, ao Teles, ao Gouvarinho, ao primo do Cohen? Podia mesmo confiar uma cópia ao Taveira que, ressentido eternamente da questão com o Dâmaso em casa da Lola Gorda, correria a lê-la em segredo na Casa Havaneza, no bilhar do Grémio, no Silva, nos camarins de cantoras... E ao fim de uma semana a Sr.ª D. Rachel saberia inevitavelmente que o escolhido do seu coração era por confissão própria um caluniador e um bêbedo!... Delicioso!