Pois cá a política em Portugal também se lançou na corrente realista. No tempo da Regeneração e dos Históricos a política era o progresso, a viação, a liberdade, o palavrório... Nós mudamos tudo isso. Hoje é o facto positivo, - o dinheiro, o dinheiro! o bago! a massa! A rica massinha da nossa alma, menino! O divino dinheiro!
E de repente emudeceu, sentindo na sala um silêncio - onde o seu grito de «dinheiro! dinheiro!» parecera ficar vibrando, no ar quente do gás, com a prolongação de um toque de rebate acordando as cobiças, chamando ao longe e ao largo todos os hábeis para o saque da pátria inerte!...
O Neves desaparecera. Os cavalheiros de província dispersavam, uns enfiando o paletó, outros sem pressa dando um olhar amortecido aos jornais sobre a mesa. E o Gonçalo bruscamente disse adeus ao Ega, rodou nos tacões, desapareceu também,
abraçando ao passar um dos padres a quem tratou de «malandro!»
Era meia noite, Ega saiu. E na tipoia que o levava ao Ramalhete, já mais calmo, começou logo a reflectir que o resultado da publicação da carta seria despertar em toda Lisboa uma curiosidade voraz. A «questão de cavalos» com que o Neves se contentara prontamente, distraído e absorvido nessa noite pela crise, - ninguém mais a acreditaria... O Dâmaso decerto, interrogado, para se desculpar, contaria horrores de Maria e de Carlos: e uma intolerável luz de escândalo ia bater coisas que deviam permanecer na sombra.
Eram talvez apoquentações, desesperos que ele assim estivera preparando a Carlos - por causa de um odiozinho ao Dâmaso. Nada mais egoísta e pequeno!... E subindo para o quarto Ega decidia correr depois do almoço à redacção da Tarde, suster a publicação da carta.
Mas toda essa noite sonhou com Rachel e com Dâmaso. Via-os rolando por uma estrada sem fim, entre pomares e vinhedos, deitados numa carroça de bois, sobre um enxergão onde se desdobrava, lasciva e rica, a sua colcha de cetim preto da vila Balzac: os dois beijavam-se, enroscados, sem pudor, sob a fresca sombra que caía dos ramos, ao chiar lento das rodas.