E levantando a mão num gesto demorado e largo:
Era num parque. O luarSobre os vastos arvoredos,
Cheios de amor e segredos...
- Que lhe disse eu? exclamou o Ega, tocando no cotovelo do marquês. É sentimento... Aposto que é o festim!
E era com efeito o festim, já cantado na flor de Martírio, festim romântico, num vago jardim onde vinhos de Chipre circulam, caudas de brocado rojam entre maciços de magnólias, e das águas do lago sobem cantos ao gemer dos violoncelos... Mas bem depressa transpareceu a severa ideia social da Poesia. Enquanto, sob as árvores radiantes de luar, tudo são «risos, brindes, lascivos murmúrios» - fora, junto às grades douradas do parque, assustada com o latir dos molossos, uma mulher macilenta, em farrapos, chora, aconchegando ao seio magro o filho que pede pão... E o poeta, sacudindo os cabelos para traz, perguntava porque havia ainda esfomeados neste orgulhoso século XIX? De que servira então, desde Spartacus, o esforço desesperado dos homens para a Justiça e para a Igualdade? De que servira então a cruz do grande Mártir, erguida além na colina, onde, por entre os abetos:
Os raios do sol se somem,O vento triste se cala...
E as aguias revolteando
Dentre as nuvens estão olhando
Morrer o filho do Homem!
A sala permanecia muda e desconfiada. E o Alencar, com as mãos tremendo no ar, desolava-se de que todo o Génio das gerações fosse impotente para esta coisa simples - dar pão à criança que chora!
Martyrio do coração!Espanto da consciência!
Que toda a humana ciência
Não solva a negra questão!
Que os tempos passem e rolemE nenhuma luz assome,
E eu veja de um lado a fome
E do outro a indigestão!
Ega torcia-se, fungando dentro do lenço, jurando que rebentava. «E do outro a indigestão!» Nunca, nas alturas líricas, se gritara nada tão extraordinário!