Os Maias - Cap. 17: Capítulo 17 Pág. 560 / 630

É necessário preparar-se a gente, respirar para dar bem o mergulho...

Em todo o caso, concluiu o Ega, eram ociosas mais conversas. Os outros papeis da caixa perdiam o interesse depois daquela confissão da Monforte. Só restava que Vilaça aparecesse à noite no Ramalhete às oito e meia, ou nove horas, antes de Carlos subir para a rua de S. Francisco.

- Mas o amigo há de lá estar! exclamou o procurador, já aterrado.

Ega prometeu. Vilaça teve um pequeno suspiro. Depois, no patamar, onde viera acompanhar o outro:

- Uma destas, uma destas!... E eu ainda, tão contente, a jantar no Ramalhete...

- E eu, com eles, na rua de S. Francisco!...

- Enfim, até à noite !

- Até à noite.

Ega não se atreveu nesse dia a voltar ao Ramalhete, a jantar diante de Carlos, a ver-lhe a alegria e a paz - sentindo aquela negra desgraça que descia sobre ele à maneira que a noite descia. Foi pedir as sopas ao marquês, que desde o sarau se conservava em casa, de garganta entrapada. Depois, às oito e meia, quando calculou que Vilaça devia estar já no Ramalhete, deixou o marquês que se enfronhara com o capelão numa partida de damas.

Aquele lindo dia, toldado de tarde, findara numa chuvinha miúda que transia as ruas. Ega tomou uma tipoia. E parava no Ramalhete, já terrivelmente nervoso, quando avistou Vilaça no portal, de guarda-chuva sob o braço, arregaçando as calças para subir.

- Então? gritou-lhe o Ega.

Vilaça abriu o guarda-chuva, para murmurar debaixo, mas em segredo:

- Não foi possível... Disse que tinha muita pressa, que não me podia ouvir.

Ega bateu o pé, desesperado:

- Oh homem!

- Que quer o amigo? Havia de o agarrar à força? Ficou para amanhã... Tenho de cá estar amanhã às onze horas.

Ega galgou as escadas, rosnando entre dentes: «Irra! não saímos desta!» Foi até ao escritório de Afonso. Mas não entrou. Através de uma fenda larga do reposteiro meio franzido, um canto da sala aparecia, quente e cheio de conchego, no doce tom cor de rosa da luz caindo sobre os damascos: as cartas esperavam na mesa do whist: no sofá bordado a matiz D. Diogo, murcho e mole, olhava o lume, cofiando os bigodes.





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