Ega murmurou:
- Já ia sucedendo um caso assim, lá ao pé da quinta, em Celorico...
E neste momento, sem que um rumor os prevenisse, Afonso da Maia apareceu numa abertura do reposteiro, encostada à bengala, sorrindo todo com alguma ideia que decerto o divertia. Era ainda o chapéu do Vilaça.
- Que diabo fizeram vocês ao chapéu do Vilaça? O pobre homem andou por aí aflito... Teve de levar um chapéu meu. Caía-lhe pela cabeça abaixo, enchumaçaram-lho com lenços...
Mas subitamente reparou na face transtornada do neto. Reparou na atarantação do Ega cujos olhos mal se fixavam, fugindo ansiosamente dele para Carlos. Todo o sorriso se lhe apagou, deu no quarto um passo lento:
- Que é isso, que têm vocês?... há alguma coisa?
Então Carlos, no ardente egoísmo da sua paixão, sem pensar no abalo cruel que ia dar ao pobre velho, cheio só de esperança que ele, seu avô, testemunha do passado, soubesse algum facto, possuísse alguma certeza contrária a toda essa história de Guimarães, a todos esses papéis da Monforte - veio para ele, desabafou:
- Há uma coisa extraordinária, avô! O avô talvez saiba... O avô deve saber alguma coisa que nos tire desta aflição!... Aqui está, em duas palavras. Eu conheço aí uma senhora que chegou há tempos a Lisboa, mora na rua de S. Francisco. Agora de repente descobre-se que é minha irmã legítima!... Passou aí um homem que a conhecia, que tinha uns papéis... Os papéis aí estão. São cartas, uma declaração de minha mãe... Enfim uma trapalhada, um montão de provas... Que significa tudo isto? Essa minha irmã, a que foi levada em pequena, não morreu?... O avô deve saber!
Afonso da Maia, que um tremor tomara, agarrou-se um momento com força à bengala, caiu por fim pesadamente numa poltrona, junto do reposteiro. E ficou devorando o neto, o Ega, com o olhar esgazeado e mudo.
- Esse homem, exclamou Carlos, é Guimarães, um tio do Dâmaso... Falou com o Ega, foi ao Ega que entregou os papéis... Conta tu ao avô, Ega, conta tu do começo!