Nesse instante, do corredor, miss Sarah chamou:
- Mademoisele!...
Rosa pôs o dedinho na boca cheia de riso:
- Diz-lhe que não estou aqui! A ver... Para a fazer zangar!... Dize!
Miss Sarah erguera o reposteiro; e descobriu-a logo escondida, sumida por traz de Carlos, na pontinha dos pés, fazendo-se pequenina. Teve um sorriso benévolo, murmurou «good night, sir». Depois lembrou que eram quase nove e meia, mademoisele tinha estado um pouco constipada e devia recolher-se. Então Carlos puxou brandamente pelo braço de Rosa, acariciou-a ainda para que ela obedecesse a miss Sarah.
Mas Rosa sacudia-o, indignada daquela traição.
- Também nunca fazes nada!... Sensaborão! Pois olha, nem te digo adeus!
Atravessou a sala, amuada, esquivou-se com um repelão à governante que sorria e lhe estendia a mão - e pelo corredor rompeu num choro despeitado e perro. Miss Sarah risonhamente desculpou mademoisele. Era a constipação que a tornava impertinente. Mas se fosse diante da mamã não fazia aquilo, não!
- Good night, sir.
- Good night, miss Sarah...
Só, Carlos errou alguns momentos pela sala. Por fim ergueu o pedaço de tapeçaria que cerrava o estreito gabinete onde Maria se vestiu. Aí, na escuridão, um brilho pálido de espelho tremia, batido por um longo raio do candeeiro da rua. Muito de leve empurrou a porta do quarto.
- Maria!... Estás a dormir?
Não havia luz; mas o mesmo candeeiro da rua, através do transparente erguido, tirava das trevas a brancura vaga do cortinado que envolvia o leito. E foi daí que ela murmurou, mal acordada:
- Entra! Vim-me deitar, estava muito cansada... Que horas são?
Carlos não se movera, ainda com a mão na porta:
- É tarde, e eu preciso sair já a procurar o Vilaça... Vinha dizer-te que tenho talvez de ir a Santa Olávia, além de amanhã, por dois ou três dias...
Um movimento, entre os cortinados, fez ranger o leito.
- Para Santa Olávia?... Ora essa, porque? E assim de repente... Entra!... Vem cá!