Os Maias - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 60 / 630

- Então ao dever, ao dever! exclamou logo o abade, esfregando as mãos, no ardor já da partida.

Os parceiros dirigiram-se à saleta do jogo - que um reposteiro de damasco separava da sala, franzido agora, deixando ver a mesa verde, e nos círculos de luz que caíam dos abat-jour os baralhos abertos em leque. Daí a um momento o Dr. delegado voltou, risonho, dizendo que «os deixara para um roquezinho de três»; e retomou o seu lugar ao lado de D. Eugénia, cruzando os pés debaixo da cadeira e as mãos em cima do ventre. As senhoras estavam falando da dor do Dr. juiz de direito. Costumava dar-lhe todos os três meses: e era condenável a sua teima em não querer consultar médicos. Quanto mais que ele andava acabado, ressequindo, amarelando - e a D. Augusta, a mulher, a nutrir à larga, a ganhar cores!... A Viscondessa, enterrada em toda a sua gordura ao canto do canapé, com o leque aberto sobre o peito, contou que em Espanha vira um caso igual: o homem chegara a parecer um esqueleto, e a mulher uma pipa; e ao princípio fora o contrário; até sobre isso se tinham feito uns versos...

- Humores, disse com melancolia o Dr. delegado.

Depois falou-se nas Brancos; recordou-se a morte de Manuel Branco, coitadinho, na flor de idade! E que perfeição de rapaz! E que rapaz de juízo! D. Ana Silveira não se esquecera, como todos os anos, de lhe acender uma lamparina por alma, e de lhe rezar três padre-nossos. A viscondessa pareceu toda aflita por se não ter lembrado... E ela que tinha o propósito feito!

- Pois estive para t'o mandar dizer! exclamou D. Ana. E as Brancos que tanto o agradecem, filha!

- Ainda está a tempo, observou o magistrado.

D. Eugénia deu uma malha indolente no crochet de que nunca se separava, e murmurou com um suspiro:

- Cada um tem os seus mortos.

E no silêncio que se fez, saiu do canto do canapé outro suspiro, o da viscondessa, que decerto se recordara do fidalgo de Urigo de la Sierra, e murmurava:

- Cada um tem os seus mortos...

E o digno Dr. delegado terminou por dizer igualmente, depois de passar reflectidamente a mão pela calva:

- Cada um tem os seus mortos!





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