Os Maias - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 65 / 630

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Isto decidiu: abriu a boca, e como de uma torneira lassa veio de lá escorrendo, num fio de voz, um recitativo lento e babujado:

É noite, o astro saudoso

Rompe a custo um plúmbeo céu,

Tolda-lhe o rosto formoso

Alvacento, húmido véu...

Disse-a toda - sem se mexer, com as mãozinhas pendentes, os olhos mortiços pregados na titi. A mamã fazia o compasso com a agulha do crochet; e a viscondessa, pouco a pouco, com um sorriso de quebranto, banhada no langor da melopeia, ia cerrando as pálpebras.

- Muito bem, muito bem! exclamou o Vilaça, impressionado, quando o Eusébiozinho findou coberto de suor. Que memória! Que memória! É um prodígio!...

Os criados entravam com o chá. Os parceiros tinham findado a partida; e o bom Custodio, de pé, com a sua chávena na mão, queixava-se amargamente da maneira porque aqueles senhores o tinham esfolado.

Como ao outro dia era domingo, e havia missa cedo, as senhoras retiraram-se às nove e meia. O serviçal Dr. delegado dava o braço a D. Eugénia; um criado da quinta alumiava adiante com o lampião; e o moço das Silveiras levava ao colo o Eusébiozinho que parecia um fardo escuro, abafado em mantas, com um chale amarrado na cabeça.

Depois da ceia Vilaça acompanhou ainda um momento Afonso da Maia à livraria, onde, antes de recolher, ele tomava sempre à inglesa o seu cognac e soda.

O aposento, a que as velhas estantes de pau preto davam um ar severo, estava adormecido tepidamente, na penumbra suave, com as cortinas bem fechadas, um resto de lume na chaminé, e o globo do candeeiro pondo a sua claridade serena na mesa coberta de livros. Em baixo, os repuxos cantavam alto no silêncio da noite.

Enquanto o escudeiro rolava para o pé da poltrona de Afonso, numa mesa baixa, os cristais e as garrafas de soda, Vilaça, com as mãos nos bolsos, de pé e pensativo, olhava a brasa da acha que morria na cinza branca. Depois ergueu a cabeça, para murmurar, como ao acaso:

- Aquele rapazito é esperto...





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