Esta inesperada carreira de Carlos (pensara-se sempre que ele tomaria capelo em Direito) era pouco aprovada entre os fiéis amigos de Santa Olávia. As senhoras sobretudo lamentavam que um rapaz que ia crescendo tão formoso, tão bom cavaleiro, viesse a estragar a vida receitando emplastros, e sujando as mãos no jorro das sangrias. O Dr. juiz de direito confessou mesmo um dia a sua descrença de que o Sr. Carlos da Maia quisesse «ser médico a sério».
- Ora essa! exclamou Afonso. E porque não há de ser médico a sério? Se escolhe uma profissão é para a exercer com sinceridade e com ambição, como os outros. Eu não o educo para vadio, muito menos para amador; educo-o para ser útil ao seu país...
- Todavia, arriscou o Dr. juiz de direito com um sorriso fino, não lhe parece a v. Ex.ª que há outras coisas, importantes também, e mais próprias talvez, em que seu neto se poderia tornar útil?...
- Não vejo, replicou Afonso da Maia. Num país em que a ocupação geral é estar doente, o maior serviço patriótico é incontestavelmente saber curar.
- V. Ex.ª tem resposta para tudo, murmurou respeitosamente o magistrado.
E o que justamente seduzia Carlos na medicina era essa vida «a sério», prática e útil, as escadas de doentes galgadas à pressa no fogo de uma vasta clínica, as existências que se salvam com um golpe de bisturi, as noites veladas à beira de um leito, entre o terror de uma família, dando grandes batalhas à morte. Como em pequeno o tinham encantado as formas pitorescas das vísceras - atraíam-no agora estes lados militantes e heróicos da ciência.
Matriculou-se realmente com entusiasmo. Para esses longos anos de quieto estudo o avô preparara-lhe uma linda casa em Celas, isolada, com graças de cotage inglês, ornada de Persianas verdes, toda fresca entre as árvores. Um amigo de Carlos (um certo João da Ega) pôs-lhe o nome de «Paços de Celas», por causa de luxos então raros na Academia, um tapete na sala, poltronas de marroquim, panóplias d'armas, e um escudeiro de libré.