Não, não era Menezes, nem Albuquerque; apenas um antepassado bonacheirão que amava os seus livros, o conchego da sua poltrona, o seu whist ao canto do fogão. Ele mesmo costumava dizer, que era simplesmente um egoísta: - mas nunca, como agora na velhice, as generosidades do seu coração tinham sido tão profundas e largas. Parte do seu rendimento ia-se-lhe por entre os dedos, esparsamente, numa caridade enternecida. Cada vez amava mais o que é pobre e o que é fraco. Em Santa Olávia, as crianças corriam para ele, dos portais, sentindo-o acariciador e paciente. Tudo o que vive lhe merecia amor: - e era dos que não pisam um formigueiro, e se compadece da sede de uma planta.
Vilaça costumava dizer que lhe lembrava sempre o que se conta dos patriarcas, quando o vinha encontrar ao canto da chaminé, na sua coçada quinzena de veludilho, sereno, risonho, com um livro na mão, o seu velho gato aos pés. Este pesado e enorme angorá, branco com malhas louras, era agora (desde a morte de Tobias, o soberbo cão de S. Bernardo) o fiel companheiro de Afonso. Tinha nascido em Santa Olávia, e recebera então o nome de Bonifácio: depois, ao chegar à idade do amor e da caça fora-lhe dado o apelido mais cavalheiresco de D. Bonifácio de Calatrava: agora, dorminhoco e obeso, entrara definitivamente no remanso das dignidades eclesiásticas, e era o Reverendo Bonifácio...
Esta existência nem sempre assim correra com a tranquilidade larga e clara de um belo rio de verão. O antepassado, cujos olhos se enchiam agora de uma luz de ternura diante das suas rosas, e que ao canto do lume relia com gosto o seu Guisot, fora, na opinião de seu pai, algum tempo, o mais feroz Jacobino de Portugal! E todavia, o furor revolucionário do pobre moço consistira em ler Rousseau, Volney, Helvetius, e a Enciclopédia; em atirar foguetes de lágrimas à Constituição; e ir, de chapéu à liberal e alta gravata azul, recitando pelas lojas maçónicas Odes abomináveis ao Supremo Arquitecto do Universo. Isto, porém, bastara para indignar o pai.