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Capítulo 4: Capítulo 4

Página 89
Bebia um cálice de Chartreuse, acendia à pressa um charuto:

- Ao trabalho, ao trabalho! exclamava.

E o avô, enchendo devagar o seu cachimbo, invejava-lhe aquela ocupação, enquanto ele ficava ali a vadiar toda a manhã...

- Quando esse eterno laboratório estiver acabado, talvez vá para lá passar um bocado, ocupar-me de química.

- E ser talvez um grande químico. O avô tem já a feitio.

O velho sorria.

- Esta carcaça já não dá nada, filho. Está pedindo eternidade!

- Quer alguma coisa da Baixa, de Babilónia? perguntava Carlos, abotoando à pressa as suas luvas de governar.

- Bom dia de trabalho.

- Pouco provável...

E no dog-cart, com aquela linda égua, a Tunante ou no fáeton com que maravilhava Lisboa, Carlos lá partia em grande estilo para a Baixa, para «o trabalho.»

O seu gabinete, no consultório, dormia numa paz tépida entre os espessos veludos escuros, na penumbra que faziam as stores de seda verde corridas. Na sala, porém, as três janelas abertas bebiam à farta a luz; tudo ali parecia festivo; as poltronas em torno da jardineira estendiam os seus braços, amáveis e convidativas; o teclado branco do piano ria e esperava, tendo abertas por cima as Canções de Gounod; mas não aparecia jamais um doente. E Carlos, - exactamente como o criado que, na ociosidade da antecâmara, dormitava sobre o Diário de Noticias, acaçapado na banqueta - acendia um cigarro Laferme, tomava uma Revista, e estendia-se no divã. A prosa porém dos artigos estava como embebida do tédio moroso do gabinete: bem depressa bocejava, deixava cair o volume.

Do Rocio, o ruído das carroças, os gritos errantes de pregões, o rolar dos americanos, subiam, numa vibração mais clara, por aquele ar fino de novembro: uma luz macia, escorregando docemente do azul ferrete, vinha doirar as fachadas enxovalhadas, as copas mesquinhas das árvores de município, a gente vadiando pelos bancos: e essa sussurração lenta de cidade preguiçosa, esse ar aveludado de clima rico, pareciam ir penetrando pouco a pouco naquele abafado gabinete e resvalando pelos veludos pesados, pelo verniz dos móveis, envolver Carlos numa indolência e numa dormência...

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Capa do livro Os Maias
Páginas: 630
Página atual: 89

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Capítulo 1 1
Capítulo 2 26
Capítulo 3 45
Capítulo 4 75
Capítulo 5 98
Capítulo 6 126
Capítulo 7 162
Capítulo 8 189
Capítulo 9 218
Capítulo 10 260
Capítulo 11 301
Capítulo 12 332
Capítulo 13 365
Capítulo 14 389
Capítulo 15 439
Capítulo 16 511
Capítulo 17 550
Capítulo 18 605