A Década Perdida - Cap. 1: O PRIMEIRO DE MAIO Pág. 23 / 182

Este odor que se espalhava absorvia o sabor do fumo dos cigarros no vestíbulo, descia sensualmente a escadaria e penetrava no salão onde ia realizar-se o baile Gama Psi. Era um aroma que ela conhecia bem, excitante, estimulante, inquietantemente doce - o aroma de um baile elegante.

Pensou na sua própria aparência. Os braços e os ombros nus estavam cobertos de pó-de-arroz branco-creme. Sabia que pareciam macios e- que cintilariam como leite contra as costas negras que iriam servir-lhes de fundo nessa noite. O penteado tinha sido um sucesso; a massa avermelhada de cabelo amontoava-se, domada em ondas bem vincadas, num prodígio ousado de curvas largas. Os lábios estavam finamente desenhados a carmim escuro; as cintilações dos olhos eram delicadas, de um azul frágil, como olhos de porcelana.- Era uma beleza total, infinitamente delicada, perfeita, fluindo numa linha regular desde o penteado complicado até aos pés pequenos e delgados.

Pensou no que iria dizer nessa noite na festa, já antecipada pelos sons de risos sonoros e abafado se de passos furtivos, e de movimentos de pares subindo e descendo a escadaria. Diria aquilo que sempre dissera durante muitos anos - o seu estilo -, uma linguagem formada por expressões correntes, pedaços de calão jornalístico e universitário misturados num todo coerente, descuidado, ligeiramente provocante, delicadamente sentimental.

Sorriu ao de leve quando ouviu uma rapariga, sentada nos degraus ao pé, dizer: «Não sabes nem metade, minha querida!»

Enquanto sorria a sua ira dissipou-se por um momento e,' fechando os olhos, deu um profundo suspiro de prazer. Deixou cair os braços ao longo do corpo até tocarem levemente o tecido leve que lhe envolvia e moldava a figura. Nunca sentira tanto a sua própria macieza, nem apreciara tanto a brancura dos seus braços.





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