O Processo - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 21 / 183

Um tribunal exerce uma curiosa atracção, não exerce? No entanto, em breve porei fim à minha ignorância neste assunto, porque para o mês que vem começo a trabalhar no escritório de um advogado.» «Isso é óptimo», exclamou K., «pois vai ter possibilidades de me ajudar um pouco no meu processo.» «É muito possível», respondeu Fraulein Bürstner. «Por que não? Gosto de aplicar os meus conhecimentos.» «Olhe que eu falo a sério», disse K., «ou, pelo menos, meio a sério. O caso é demasiadamente insignificante para recorrer a um advogado, mas uma pessoa que me aconselhasse ser-me-ia muito útil.» «Sim, mas, se tiver de ser eu a aconselhá-lo, terei de saber de que se tratas», disse Fraulein Bürstner. «Esse é que é o problema!», replicou K., «pois eu próprio não o sei.» «Então tem simplesmente estado a troçar de mim», queixou-se Fraulein Bürstner, extraordinariamente desapontada. «Com certeza que não havia necessidade de escolher está hora tão tardia para o fazer.» E afastou-se de ao pé das fotografias, onde tinha estado todo este tempo. «Mas, Fraulein Bürstner», disse K., «não estou a troçar de si! Por que razão não há-de acreditar em mim? Já lhe disse tudo o que sei. De facto, até mais do que sei, pois não se tratava de uma verdadeira comissão de inquérito. Chamei-lhe assim porque não sabia que nome lhe dar. Não houve interrogatório nenhum; fui simplesmente detido, tendo isto sido feito por uma comissão.» Fraulein Bürstner sentou-se no sofá e sorriu de novo. «Então como é que isso se passou?», inquiriu ela. «Foi horrível», respondeu ele. Todavia, por momentos, não pensou mais no que estava a dizer, tão absorto se encontrava a contemplar Fraulein Bürstner, que tinha a cabeça apoiada numa das mãos, o cotovelo encostado à almofada do sofá, enquanto passava suavemente a outra mão pela anca. «Isso é muito vago», disse ela. «O que é que é muito vago?», indagou K., caindo em si. «Quer que lhe faça uma demonstração de como tudo se passou?», perguntou. Tinha vontade de se movimentar, todavia, não lhe apetecia ir-se embora dali. «Estou cansada», disse Frãulein Bürstner. «Chegou a casa tão tarde», disse logo K. «Então já chegou ao ponto de me repreender! E bem mereço isso, porque nunca devia tê-lo mandado entrar; além do mais, nem havia necessidade disso, é evidente.» «Havia com certeza necessidade disso e vou demonstrar-lho num minuto», respondeu-lhe K. «Posso afastar esta mesinha-de-cabeceira de ao pé da sua cama?» «Que ideia!», gritou Fraulein Bürstner. «Evidentemente que não.» «Então não posso mostrar-lhe como as coisas se passaram», disse K., perturbado, como se lhe tivesse sido infligido um golpe terrível.





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