O Processo - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 75 / 183

O tio, que tinha agarrado o braço de K, deixara de fazer perguntas urgentes acerca do processo e por momentos caminharam em silêncio. «Mas como é que isso aconteceu?>, perguntou o tio por fim, parando tão repentinamente que as pessoas que caminhavam atrás dele se assustaram. «Coisas deste género não ocorrem com frequência, vão crescendo gradualmente, devendo, portanto, ter havido qualquer indicação. Por que é que nunca me escreveste? Sabes que faria tudo por ti, pois, em certo sentido, sou ainda o teu tutor e até hoje senti sempre orgulho nisso. E claro que estou disposto a fazer por ti tudo o que estiver ao meu alcance, simplesmente, agora tornar-se-á mais difícil por o processo já estar a correr. De qualquer maneira, o melhor seria pedires umas férias, curtas que sejam, e ires passá-las no campo, junto de nós. Emagreceste um pouco, noto agora. Recuperarias as tuas energias no campo, o que seria bom, pois este processo vai certamente exigir de ti um grande esforço. E, além disso, ficarias de certo modo afastado das garras da justiça. Aqui possuem um maquinismo montado de tal maneira que automaticamente o fariam funcionar contra ti se disso houvesse necessidade, mas, se estivesses no campo, eles teriam de nomear um delegado ou contactar contigo por carta, por telegrama ou por telefone. Esse facto reduziria o efeito; não digo que escapasses de todo, mas dar-te-ia um período de tempo para respirares.» «Mas eles devem proibir-me de me ausentar», retorquiu K., que tinha começado a seguir a linha de pensamento do tio. «Suponho que não fariam uma coisas dessas», disse o tio pensativamente, «até porque eles nada perderão com a tua partida.» «Penseis, continuou K., agarrando no braço do tio para o impedir de ficar ali parado, «que o tio desse a este assunto menos importância do que eu e, afinal, está a levá-lo tão a sério.»

«Joseph!», gritou o tio, tentando libertar o braço de maneira a poder conservar-se parado, o que K. não consentia, Estas completamente mudado; tu, que costumavas pensar com tanta Rareza, não me digas que é exactamente agora que a tua cabeça falha! Queres perder este processo? E sabes o que isso significará? Significará que te arruinaste. E que arruinaste também os teus familiares, os lançaste na lama. Joseph, colaborar por favor. A tua indiferença põe-me doido. Ao olhar para ti, não sé pode deixar de acreditar no velho ditado: 'Casos desta natureza são casos perdidos.'» «Meu caro tio», disse K., «não há razão para estar tão nervoso, pois esse estado de excitação é tão desnecessário da sua parte como da minha. Não é com emoções que se ganham processos, e deve admitir que a minha experiência prática pode servir para alguma coisa; veja como respeito a sua, como, aliás, sempre fiz, mesmo quando o tio me surpreende. Desde que me diz que a nossa família ficaria envolvida em qualquer escândalo que resultasse do meu processo... não vejo como isso pudesse acontecer, mas é claro que isso está fora de questão... submeter-me-ei de boa vontade à sua opinião. Simplesmente, penso que não seria aconselhável ir para o campo, mesmo vendo a coisa pelo seu prisma, visto que isso se identificaria com uma fuga e fuga significa culpa. Além disso, embora me sinta aqui mais pressionado, também posso acompanhar melhor o meu próprio caso.»





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