O Processo - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 9 / 183

Julgo que me poderei sentar... », disse ele. «Não é costume», replicou o Inspector. «Quero, pois, dizer», continuou K. sem mais objecções, «que fiquei, não há dúvida, muitíssimo surpreendido, mas, quando já se viveu trinta anos neste mundo e se teve de abrir caminho através dele, como fui obrigado a fazê-lo, fica-se insensível a surpresas e, portanto, estas não são tomadas muito a sério, particularmente surpresas como a desta manhã.» «Por que razão 'particularmente surpresas com a desta manhã'?» «Não quero dizer que considere tudo isto uma brincadeira, dado que os preparativos que foram feitos me parecem demasiadamente elaborados para isso. Envolveram não só todo o pessoal da pensão como todos vós aqui presentes. Por esta razão, não acho que se trate de uma brincadeira.» «Está certo», confirmou o Inspector, contando os fósforos que estavam dentro da caixa. «Mas, por outro lado», continuou K., voltando-se para todos os presentes e tentando incluir também os três jovens que se encontravam ao pé das fotografias, «por outro lado, não me parece que seja um assunto muito importante. Deduzo isto do facto de, embora tenha sido acusado de qualquer coisa, não conseguir lembrar-me de ter cometido a mais pequena falta que justificasse uma acusação contra mim. Mas até isso tem uma importância mínima e a questão, afinal, resume-se em saber quem é que me acusa. Qual a autoridade que conduz este processo? Os senhores são funcionarias judiciais? Nenhum de vós enverga uniforme, a não ser que o seu faro», nesta altura voltou-se para Franz, «seja considerado como tal, mas parece mais um falo de turista. Exijo, pois, uma resposta clara a estas perguntas e estou certo de que, depois de uma explicação, nos separaremos uns dos outros amigavelmente.» O Inspector arremessou a caixa de fósforos para cima da mesa. «O senhor labora num grande erro», disse ele. «Estes senhores aqui presentes e eu próprio não temos qualquer posição relativamente a este seu caso; na realidade, até pouco sabemos acerca dele. Poderíamos envergar os uniformes mais oficiais, que não era por isso que o seu caso seria pior. Não posso sequer confirmar que o senhor seja acusado de ter praticado qualquer delito, ou, melhor ainda, desconheço se o é. O senhor está preso, não há dúvida, e mais do que isso não sei. Talvez os guardas lhe tenham dado uma impressão diferente, mas previno-o de que eles são apenas uns irresponsáveis tagarelas. Contudo, se não posso responder às suas perguntas, estou, pelo menos, abalizado a dar-lhe um conselho: pense menos em nós e no que está para lhe acontecer e, em vez disso, pense mais em si próprio. E não faça tanto alarido acerca da sua inocência, porque estraga a impressão que, sob outros aspectos, estava a causar e que não era desfavorável. E mais: o senhor devia ser mais reservado, pois quase tudo quanto acaba de dizer pode ter influência na apreciação do seu comportamento, com o auxílio de uma palavra aqui e ali, e, em qualquer caso, não reverte especialmente em seu beneficio.»





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