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Capítulo 11: Capítulo 11

Página 140
Lembro-me com especial clareza daquele espetáculo que era o trem passando à luz amarelada do entardecer, janelas após janelas repletas de rostos morenos e sorridentes, os longos canos dos canhões, cachecóis escarlates a tremular ao vento, tudo isso a deslizar perto de nós contra um pano de fundo azul-turquesa que era o mar.

-Extranjeros - disse alguém. - São italianos.

Não podia haver dúvida de que fossem italianos, pois nenhum outro povo poderia ter-se agrupado de modo tão pitoresco, ou respondido aos acenos da multidão com tanta graça - graça que não era menor pelo fato de metade deles estar bebendo diretamente nas garrafas de vinho voltadas para cima. Mais tarde ficamos sabendo que eram alguns dos soldados que obtiveram a grande vitória de Guadalajara em março. Estiveram em licença e viam-se transferidos agora para a frente de Aragón. Receio que a maioria tenha morrido em Huesca, poucas semanas depois. Em nosso trem, aqueles que tinham forças para isso puseram-se às janelas para saudar os italianos. Uma muleta era sacudida pela janela, em saudação, e braços enfaixados faziam o cumprimento comunista. Era como um quadro alegórico da guerra, uma composição ferroviária cheia de homens orgulhosamente a caminho da frente de luta, os homens feridos e aleijados a chegar lentamente, e por todo esse tempo os canhões nas gôndolas abertas, fazendo os corações palpitar como sempre fazem, e revivendo aquele sentimento pernicioso, do qual é tão difícil livrar-se, de que a guerra é mesmo uma coisa gloriosa, afinal de contas.

O hospital em Tarragona era bem grande, e estava cheio de feridos vindos de todas as frentes. Que ferimentos podia-se ver ali! Empregavam ali um certo modo de tratar ferimentos que suponho estivesse de acordo com a prática médica mais adiantada, mas particularmente horrível de ver. Consistia em deixar o ferimento inteiramente aberto e sem ataduras, mas protegido das moscas por fina rede de tecido, esticada sobre arames. Pela rede dava para ver o ferimento entreaberto e semifechado. Havia um homem ferido no rosto e garganta, que tivera a cabeça posta dentro de uma espécie de capacete esférico, feito do mesmo tecido; sua boca estava fechada, e ele respirava por meio de um tubo pequeno, posto entre os lábios. O pobre-diabo parecia muito sozinho, andando de um para outro lado e olhando-nos por aquela gaiola de rede, incapaz de falar. Estive três ou quatro dias em Tarragona. Recuperava as forças e certo dia, movendo-me devagar, consegui descer até à praia. Era estranho a vida litorânea prosseguindo quase como de costume, os cafés elegantes ao longo do passeio e a roliça burguesia do lugar a tomar banho de mar e sol em cadeiras preguiçosas, como se não existisse guerra alguma naquela parte do mundo. Ainda assim, vi um banhista afogar-se, proeza que julguei impossível naquele mar raso e quente.

Oito ou nove dias depois de deixar a linha de frente é que, afinal, meu ferimento foi examinado.

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pág. 140 (Capítulo 11)

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Capa do livro Homenagem à Catalunha
Páginas: 193
Página atual: 140

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Capítulo 1 1
Capítulo 2 12
Capítulo 3 19
Capítulo 4 32
Capítulo 5 39
Capítulo 6 51
Capítulo 7 64
Capítulo 8 70
Capítulo 9 81
Capítulo 10 105
Capítulo 11 130
Capítulo 12 142
Capítulo 13 157
Capítulo 14 173