Parece loucura, mas o que ambos desejávamos era regressar à Espanha. Embora isso não pudesse fazer bem a pessoa alguma, e na verdade apenas causaria muito dano, queríamos ambos ter ficado lá, prisioneiros juntamente com os demais. Acho que não consegui demonstrar, nestas páginas, grande coisa do que representaram, para mim, aqueles meses na Espanha. Registrei alguns acontecimentos externos, mas não consigo registrar os sentimentos que eles deixaram em mim. A coisa toda está misturada a visões, cheiros e sons que não podem ser transmitidos por escrito: o odor das trincheiras, as alvoradas nas montanhas estendendo-se a distâncias inconcebíveis, o pipocar gelado das balas, o estrondo e clarão das bombas; a luz fria e clara das manhãs de Barcelona, e a cadencia das botas no pátio do quartel, isso em dezembro, quando o povo ainda acreditava na revolução; e as filas para comprar gêneros, as bandeiras vermelhas e negras, os rostos dos milicianos espanhóis; acima de tudo, os rostos dos milicianos - homens que eu conhecera na linha de frente e que estão agora espalhados sabe Deus por onde, alguns mortos em batalha, outros mutilados, outros na prisão - a maioria, ao que espero, ainda sã e salva. Boa sorte a todos! Espero que ganhem sua guerra e expulsem da Espanha todos os estrangeiros - alemães, russos e italianos de cambulhada. Essa guerra, na qual desempenhei papel tão insignificante, deixou-me recordações más, em sua maior parte, mas ainda assim eu não desejaria deixar de tê-las. Quando se consegue um vislumbre de desastre tamanho - e qualquer que seja seu desfecho a guerra espanhola terá sido um desastre espantoso, para não falar na matança e no sofrimento físico - daí não resultam obrigatoriamente a desilusão e o cinismo. Curioso que pareça, toda aquela experiência deixou-me uma crença não menor, porem maior, na decência dos seres humanos. E espero que a narrativa aqui contida não seja das mais enganadoras. Acredito que em questão como esta ninguém se possa mostrar inteiramente verídico, E difícil ter certeza de qualquer coisa, exceto o que vimos com nossos olhos próprios, e consciente ou inconscientemente todos escrevem como partidários. Caso eu não o tenha dito em ocasião anterior, desejo dize-lo agora: cuidado com meu partidarismo, meus enganos de fato e a distorção inevitavelmente causada por ter visto apenas um lado dos acontecimentos. E peço que tenham o mesmo cuidado, quando lerem qualquer outro livro escrito sobre esse período da guerra civil espanhola.