Com seu gesto estranho e indiano, não parava de afirmar: "É o melhor cabo que temos!" (
No hay cabo como el.) Mais tarde ele pedia licença para ingressar em minha seção.
Por que tal incidente me comove? Porque, em quaisquer circunstâncias normais, teria sido impossível o restabelecimento de bons sentimentos entre aquele rapaz e eu. A acusação de roubo não seria aliviada, e talvez fosse um tanto agravada, por meus esforços no sentido de reparação. Um dos efeitos da vida segura e civilizada é uma supersensibilidade imensa que faz todas as emoções primárias um tanto asquerosas. A generosidade mostra-se tão penosa quanto a mesquinhez, a gratidão tão odienta quanto a ingratidão. Mas na Espanha de 1936 não estávamos vivendo uma época normal. Era época na qual os sentimentos e gestos generosos mostravam-se mais fáceis do que ocorre normalmente. Eu poderia narrar uma dezena de incidentes semelhantes, que na verdade não são comunicáveis mas que estão presos em meu espírito com a atmosfera especial daquele tempo, com as roupas andrajosas e os cartazes revolucionários de cures alegres, com o uso geral da palavra "camarada" e com as balas antifascistas impressas em papel ordinário e vendidas por um penny, com as expressões como "solidariedade proletária internacional", repetidas de modo patético por homens ignorantes que supunham terem algum significado. Era possível sentir amizade por alguém, e tomar seu lado numa briga, depois de ser ignominiosamente revistado em sua presença, à busca de coisas que supunham ter sido roubadas dessa pessoa? Não, isso era impossível. Mas poderia acontecer, se ambos passassem por alguma experiência emocionalmente ampliadora. Eis um dos subprodutos da revolução, embora nesse caso fosse apenas o início de uma revolução, claramente condenado a malograr.