O apelo da floresta - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 27 / 99

E que terríveis trinta milhas essas, pois cada passo era dado com o risco da própria vida, tanto dos cães como dos homens. Uma dúzia de vezes Perrault, que tacteava o caminho, desapareceu através do gelo quebrado sob os seus pés, sendo salvo apenas pelo longo varapau que para o efeito levava consigo e que manejava de modo a cair atravessado na fenda aberta pelo seu corpo. Mas nessa altura atravessavam uma vaga de frio — o termómetro marcava cinquenta graus abaixo de zero — e de cada vez que ele se afundou se viu obrigado, sob pena de morrer, a acender uma fogueira e secar as roupas.

Nada o atemorizava. Fora, aliás, por nada o atemorizar que fora escolhido para correio do Governo. Expunha-se a toda a espécie de riscos, oferecendo resolutamente a sua face miúda e encarquilhada ao frio intenso e labutando sem cessar desde os primeiros alvores até noite escura. Contornou as margens sombrias sobre uma delgada superfície de gelo, que à sua passagem vergava e se sentia estalar e onde por nada desta vida se arriscava a parar. De uma vez, o trenó rompeu o gelo, arrastando consigo Dave e Buck, que foram retirados já meio gelados e quase mortos por afogamento. Tornou-se necessária a fogueira do costume para os salvar. Envolvia-os uma sólida camada de gelo, e os homens, para os fazerem suar e o gelo derreter, obrigaram-nos a correr em volta do lume, tão perto das chamas que se chamuscaram.

De outra vez, foi Spitz que se afundou, arrastando atrás de si toda a matilha até Buck, que, com toda a sua força, se retesou para trás, as paras dianteiras fincadas na borda escorregadia e o gelo cedendo e estalando por todos os lados. Atrás dele, porém, estava Dave, que de igual modo fazia força com o corpo, e também François, que, agarrado ao varão do trenó, puxava com quanta força tinha, a ponto de os seus tendões se fazerem ouvir.

Uma outra vez ainda, o gelo abateu à frente e na retaguarda, não lhes restando outra alternativa senão transpor o penhasco.