Ao cair da noite, armavam o acampamento. Uns enterravam as estacas, outros cortavam lenha para a fogueira e ramas de pinheiro para as camas e outros, ainda, traziam água ou gelo para junto dos cozinheiros. Davam também de comer aos cães. Para os animais, este era, aliás, o único acontecimento do dia, embora fosse igualmente agradável, depois de comido o peixe, vadiar uma hora ou mais pelos arredores juntamente com os cães das outras matilhas, que eram perto de cinquenta. Havia entre eles lutadores valorosos, mas bastaram três combates com os mais temíveis para Buck alcançar a supremacia, de tal sorte que, mal ele eriçava o pêlo ou arreganhava os dentes, todos os outros se afastavam do seu caminho.
Mas acima de tudo, talvez, o que Buck mais apreciava era dei tar-se junto da fogueira, as paras encolhidas sob o corpo e a mãos estendidas para a frente, a cabeça erguida e os olhos a pestanejarem sonhadoramente à luz das chamas. Por vezes lembrava-se da grande casa do juiz Miller, no soalheiro vale de Santa Clara, e do tanque de cimento que servia de piscina, de Ysabel a cadelinha mexicana de pêlo raso, e de Toots, o pug japonês mas mais frequentemente ocorria-lhe a recordação do homem da camisola vermelho, da morte de Curly, da sua grande luta com Spitz e das coisas boas que comera ou gostaria de comer. Não eram propriamente saudades. Aquele bocadinho de terra banhada pelo sol afigurava-se-lhe obscuro e distante e tais memórias não tinham qualquer poder sobre ele. Incomparavelmente mais fortes eram as recordações da sua hereditariedade, que punham algo de familiar em coisas que antes nunca vira; os instintos, que mais não eram que as recordações dos seus antepassados tornadas hábitos e que nele, nos últimos tempos, e anteriormente ainda, haviam sido sufocados, recebiam agora um estímulo novo e de novo voltavam à vida.
As vezes acontecia-lhe ali agachado e piscando os olhos sonhadoramente ao calor das chamas, ver nelas as chamas de outra fogueira e junto dela um outro homem que não o cozinheiro que tinha na frente.
