O apelo da floresta - Cap. 5: Capítulo 5 Pág. 59 / 99

Era muito simples dar menos comida aos cães; mas impossível era conseguir dos cães melhores tempos, enquanto a sua própria incapacidade para se porem a caminho de manhã os impedisse de viajar mais horas. Não s6 não sabiam governar os cães, como não sabiam governar-se a si próprios.

O primeiro a sucumbir foi Dub. Pobre ratoneiro desastrado, sempre a ser apanhado e castigado, mas que, não obstante, fora um trabalhador esforçado. A omoplata que tinha deslocada, por tratar e sem repouso, foi de mal a pior, até que finalmente Hal o matou com um tiro do seu enorme Colt. Segundo um ditado corrente no país, cão que venha de fora morre necessariamente à míngua com a ração de um cão-lobo, não admirando, pois, que os seis novos cães sob a chefia de Buck não fizessem outra coisa senão morrer, visto não disporem nem de metade da ração de um cão-lobo. O terra-nova foi o primeiro a deixar-se ir, seguido logo atrás pelos três perdigueiros de pêlo raso; os dois rafeiros persistiam em viver, mas no fim acabaram por se ir também.

Por esta altura, já a docilidade e a delicadeza características dos Meridionais tinham abandonado por completo estas três pessoas. Despojado da sua magia e romantismo, viajar no Árctico deparou-se-lhes uma realidade demasiado brutal para as suas condições de homem e de mulher. Mercedes deixou de chorar pelos cães, demasiado ocupada em chorar por si própria e em brigar com o marido e com o irmão. Brigar era, aliás, a única coisa que nunca os cansava. A sua irascibilidade provinha da sua miséria, com ela crescia, nela duplicava e ate a ultrapassava. A paciência admirável da vida nas pistas, que nasce nos homens que labutam e padecem muito e conservam uma linguagem suave e branda, não era apanágio destes homens e desta mulher. Não tinham nem sombra desta resignação. Estavam empedernidos e sofriam; doíam-lhes os músculos, os ossos, o próprio coração; e por isso se tornaram desabridos no falar, dizendo grosserias de manhã à noite.





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