Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 3: III Pág. 119 / 273

A vergonha subiu do seu coração magoado e invadiu todo o seu ser. A imagem de Emma surgiu diante de si, e sob o olhar dela, a torrente de vergonha cresceu de novo no seu coração. Se ela soubesse aquilo a que a sua mente a havia sujeitado, ou como a sua luxúria animalesca tinha despedaçado e pisado a sua inocência! Seria isso um amor juvenil? Seria isso cavalheiresco? Seria isso poesia? Os sórdidos pormenores das suas orgias fediam nas suas narinas. O maço de gravuras cobertas de fuligem que escondera na chaminé da lareira, e diante da desavergonhada e sórdida licenciosidade das quais perdia horas a pecar por pensamentos e por actos; os seus sonhos monstruosos, povoados por criaturas simiescas e por rameiras de olhos brilhantes como jóias; as ignóbeis e longas cartas que escrevera, na alegria da confissão culpada e que transportara consigo, secretamente, durante muitos dias, acabando por as lançar, a coberto da noite, para a relva dos campos ou por baixo de uma porta sem gonzos, num nicho dos arbustos, onde uma rapariga poderia encontrá-las, ao passar, e lê-las secretamente. Louco! Louco! Seria possível que tivesse feito tais coisas? Irrompeu-lhe um suor frio da testa enquanto estas ignóbeis recordações se condensavam no seu cérebro.

Quando a agonia da vergonha desapareceu, tentou elevar a alma da sua abjecta impotência. Deus e a Santa Virgem estavam excessivamente longe dele: Deus era demasiado grandioso e severo e Nossa Senhora demasiado pura e santa. Mas imaginou que se encontrava junto de Emma, num terreno amplo e, humildemente e em lágrimas, inclinou-se e beijou-lhe a curva da manga.

No terreno aberto, sob o céu suave e límpido da tarde, com uma nuvem avançando para ocidente no meio do mar verde pálido do firmamento, ficaram juntos, como duas crianças que tivessem errado.





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