Deus podia chamá-lo, naquele momento, chamá-lo enquanto estava sentado na sua carteira, antes que tivesse tempo para tomar consciência dessa convocação. Deus tinha-o chamado. Sim? O quê? Sim? Encolheu-se todo ao sentir a aproximação das vorazes línguas de fogo, sentiu-se secar como se o envolvesse o torvelinho de ar sufocante. Tinha morrido. Sim. Tinha sido julgado. Sentiu uma onda de fogo percorrer-lhe o corpo: a primeira. Nova onda. O seu cérebro começou a arder. Outra ainda. O seu cérebro fervilhava e borbulhava dentro da caixa do crânio que se estilhaçava. Irrompiam chamas do seu crânio como uma corola, guinchando como vozes: «Inferno! Inferno! Inferno! Inferno! Inferno!».
Ouviu vozes perto dele:
- No Inferno.
- Espero que ele te tenha metido isso bem na cabeça.
- Podes apostar que sim. Conseguiu assustar-nos a todos.
- É disso que precisam: e em boa quantidade, para trabalharem mais.
Recostou-se debilmente na carteira. Não tinha morrido. Deus tinha-o poupado por enquanto. Continuava no mundo bem conhecido da escola. Mr. Tate e Vincent Heron encontravam-se junto da janela, a conversar, e a dizer piadas, olhando a chuva fria, agitando as cabeças.
- Quem me dera que o tempo melhorasse. Tinha combinado ir dar uma volta com uns amigos, de bicicleta, para os lados de Malahide. Mas as estradas devem estar atoladas.
- É capaz de melhorar.
As vozes que conhecia tão bem, as palavras vulgares, o silêncio da sala de aula quando as vozes cessavam e o silêncio era preenchido pelo som de um rebanho a ruminar, enquanto os outros rapazes comiam tranquilamente os seus almoços, acalentou a sua alma angustiada.
Ainda ia a tempo. Ó Maria, refúgio dos pecadores, intercedei por ele! Ó Virgem imaculada, salvai-o do abismo da morte!
A lição de inglês principiou com perguntas de história.
