Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 3: III Pág. 147 / 273

Confessa-te! Confessa-te! Não bastava tranquilizar a consciência com lágrimas e orações. Teria de ajoelhar-se diante do ministro do Espírito Santo e relatar-lhe os seus pecados ocultos, com sinceridade e arrependimento. Antes que voltasse a ouvir a porta arrastar-se sobre a soleira, ao abri-la para entrar em casa, antes que voltasse a ver a mesa posta, na cozinha, para o jantar, já se teria ajoelhado e confessado. Era muito simples.

A dor da consciência cessou e ele continuou a caminhar rapidamente pelas ruas escuras. Havia tantas lajes no passeio daquela rua, e tantas ruas naquela cidade e tantas cidades no mundo. Todavia, a eternidade não tinha fim. Ele estava em pecado mortal. Mesmo que fosse apenas uma vez, era um pecado mortal. Podia acontecer num instante. Como e porquê tão rapidamente? Bastava ver ou pensar em ver. Os olhos vêem uma coisa, sem terem desejado vê-la. Depois, tudo sucede num instante. Mas essa parte do corpo compreendê-lo-á ou não? A serpente, o mais subtil dos animais. Deve compreender, quando deseja, num instante, e depois prolonga o seu próprio desejo, instante após instante, pecaminosamente. Sente e compreende e deseja. Que coisa horrível! Quem a fez assim, uma parte bestial do corpo, capaz de compreender bestialmente e de desejar bestialmente? Aquilo seria ele próprio ou uma coisa inumana movida por uma alma inferior? A sua alma desfaleceu ao imaginar uma vida torpe, viperina, a alimentar-se do tenro tutano da sua vida e a engordar com o muco viscoso da luxúria. Oh, porque teria de ser assim? Oh, porquê?

Encolheu-se à sombra do pensamento, curvando-se, cheio de terror e espanto perante um Deus que tinha criado todas as coisas e todos os homens. Loucura. Quem poderia ter tal pensamento? E, encolhido nas trevas, abjectamente, rogou silenciosamente ao seu anjo da guarda que afastasse, com a sua espada, o Demónio que o sussurrara à sua mente.





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