Não sentia a tentação de cometer pecados mortais. Todavia, surpreendia-o que, ao fim do seu percurso de complicada piedade e auto-restrição, continuasse tão facilmente à mercê de imperfeições infantis e indignas. As orações e os jejuns de pouco lhe serviam para reprimir a impaciência ao ouvir a mãe espirrar ou ao ser interrompido nas suas devoções. Necessitava de um imenso esforço de vontade para dominar o impulso que o levava a manifestar essa irritação, Vinham-lhe à memória imagens das explosões de cólera trivial que tantas vezes notara nos seus professores, o retorcer das bocas, o apertar dos lábios e as faces avermelhadas, e isso desencorajava-o, por comparação, perante toda a sua prática da humildade. Misturar a sua vida na maré vulgar das outras vidas tornava-se mais difícil para ele do que qualquer jejum ou oração, e foi a sua constante incapacidade de o fazer a seu pleno contento que provocou na sua alma, finalmente, uma sensação de secura espiritual e um crescimento das dúvidas e dos escrúpulos. A sua alma atravessava um período de desolação em que os próprios sacramentos pareciam ter-se transformado em fontes secas. A confissão transformou-se numa via de escape para imperfeições escrupulosas, sem arrependimento. A recepção da eucaristia já não lhe trazia os mesmos momentos repetidos de abandono virginal, como aquelas comunhões espirituais que conseguira, por vezes, após uma visita ao Santíssimo Sacramento.