Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 4: IV Pág. 161 / 273

Nunca mudava conscientemente de posição na cama, sentava-se nas posições mais desconfortáveis, suportava pacientemente todos os pruridos e dores, afastava-se da lareira, permanecia de joelhos durante toda a missa, excepto na altura dos evangelhos, não enxugava uma parte do pescoço e da cara, de modo que o ar a mordesse e, sempre que não estava a rezar o terço, andava com os braços bem esticados aos lados do corpo, como um corredor, nunca metendo as mãos nos bolsos nem atrás das costas.

Não sentia a tentação de cometer pecados mortais. Todavia, surpreendia-o que, ao fim do seu percurso de complicada piedade e auto-restrição, continuasse tão facilmente à mercê de imperfeições infantis e indignas. As orações e os jejuns de pouco lhe serviam para reprimir a impaciência ao ouvir a mãe espirrar ou ao ser interrompido nas suas devoções. Necessitava de um imenso esforço de vontade para dominar o impulso que o levava a manifestar essa irritação, Vinham-lhe à memória imagens das explosões de cólera trivial que tantas vezes notara nos seus professores, o retorcer das bocas, o apertar dos lábios e as faces avermelhadas, e isso desencorajava-o, por comparação, perante toda a sua prática da humildade. Misturar a sua vida na maré vulgar das outras vidas tornava-se mais difícil para ele do que qualquer jejum ou oração, e foi a sua constante incapacidade de o fazer a seu pleno contento que provocou na sua alma, finalmente, uma sensação de secura espiritual e um crescimento das dúvidas e dos escrúpulos. A sua alma atravessava um período de desolação em que os próprios sacramentos pareciam ter-se transformado em fontes secas. A confissão transformou-se numa via de escape para imperfeições escrupulosas, sem arrependimento. A recepção da eucaristia já não lhe trazia os mesmos momentos repetidos de abandono virginal, como aquelas comunhões espirituais que conseguira, por vezes, após uma visita ao Santíssimo Sacramento.





Os capítulos deste livro