Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 4: IV Pág. 169 / 273

Tinha-se imaginado como um padre jovem, de maneiras silenciosas, a entrar rapidamente num confessionário, a subir os degraus do altar, a incensar, a fazer as genuflexões, a desempenhar os vagos actos sacerdotais que lhe agradavam pela sua semelhança com a realidade e o seu afastamento dela. Naquela existência indistinta que vivera através dos seus pensamentos, tinha assumido as vozes e os gestos que notara em diversos padres. Tinha dobrado o joelho lateralmente como vira um fazer, agitara muito levemente o turíbulo como um outro, a sua casula abrira-se como a de um outro, ao voltar-se novamente para o altar depois de ter abençoado os fiéis. E, acima de tudo, agradava-lhe ocupar o segundo lugar, nessas cenas pouco nítidas da sua imaginação. Fugia à dignidade do celebrante, porque lhe desagradava imaginar que toda aquela vaga pompa caísse sobre a sua pessoa, ou que o ritual lhe atribuísse um cargo tão preciso e tão definitivo. Aspirava aos cargos menores, ser investido com a túnica do subdiácono na missa cantada, ficar afastado do altar, esquecido pelas pessoas, com os ombros cobertos com um amicto, segurando a patena nas suas dobras, ou, depois de consumado o sacrifício, erguer-se, como um diácono, numa dalmática de tecido dourado, no degrau abaixo do celebrante, com as mãos postas e o rosto voltado para os fiéis, e entoar o Ite missa est. Se alguma vez se vira como celebrante era como nas gravuras da missa do seu livro de missa da infância, numa igreja sem fiéis, excepto o anjo do sacrifício, num altar nu, e servido por um acólito pouco mais jovem do que ele. Só nos vagos actos do sacrifício e dos sacramentos a sua vontade parecia ir ao encontro da realidade; e era, em parte, a ausência de um rito definido que sempre o constrangera à inacção, quer quando permitira que o silêncio cobrisse a sua ira ou o seu orgulho, quer quando retivera um abraço que gostaria de dar.




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