Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 4: IV Pág. 173 / 273

Depois, pensou como eram vagos os seus pensamentos, como a sua alma estava distante daquilo que imaginara, até então, ser o seu santuário, como era frágil o poder que tantos anos de ordem e obediência tinham sobre ele, mal um acto definitivo e irrevogável ameaçava acabar com a sua liberdade para sempre, no tempo e na eternidade. A voz do director a entusiasmá-lo com as orgulhosas afirmações da Igreja quanto ao mistério e ao poder do ofício sacerdotal reverberavam na sua memória de uma forma vazia. A sua alma não as escutava nem as acolhia, e ele sabia já que a exortação que escutara se transformara numa conversa convencional e vã. Ele nunca agitaria o turíbulo diante do tabernáculo como um padre. O seu destino era esquivar-se às ordens sociais e religiosas. A sabedoria referida no apelo do padre não atingira o seu âmago. Estava destinado a adquirir a sua própria sabedoria separado dos outros ou a recolhê-la dos outros, vagueando por entre as armadilhas do mundo.

As armadilhas do mundo eram as suas formas de pecar. Ele havia de sucumbir. Ainda não tinha sucumbido, mas acabaria por sucumbir silenciosamente, num instante. Não sucumbir era difícil demais; e pressentiu a silenciosa queda da sua alma, tal como ocorreria num instante futuro, caindo, caindo, mas ainda não caída, ainda por cair, mas prestes a cair.

Atravessou a ponte sobre a corrente do Tolka e, por um instante, voltou friamente os olhos para o santuário azul desmaiado da Santa Virgem que se empoleirava, como uma ave, no meio de um aglomerado de casinhas pobres, que tinha a forma de um presunto. Depois, voltando para a esquerda, seguiu a calçada que levava a sua casa. Chegou-lhe às narinas o vago cheiro azedo de couves podres, proveniente das hortas situadas na encosta da margem do rio.





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