Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 5: V Pág. 210 / 273

Meditou sombriamente na sua avaliação e repetiu da mesma forma categórica:

- Um labrego ordinário, é isso que ele é!

Era o seu epitáfio habitual para as amizades mortas e Stephen perguntou a si mesmo se ele seria um dia pronunciado no mesmo tom em relação à sua pessoa. A frase pesada e lapidar deixou lentamente de se ouvir, como uma pedra a mergulhar num pântano. Stephen viu-a mergulhar como vira muitas outras, sentindo o seu peso deprimir-lhe o coração. A linguagem de Cranly, diferentemente da de Davin, não continha frases raras nem inglês isabelino, nem versões curiosas do dialecto irlandês. O seu tom arrastado era um eco dos cais de Dublim, devolvido por um porto vazio e decadente, e a sua energia um eco da sagrada eloquência de Dublim devolvido sem brilho por um púlpito de Wicklow.

A expressão fortemente carrancuda desapareceu do rosto de Cranly, quando MacCann começou a caminhar rapidamente na direcção deles, vindo do outro lado do vestíbulo.

- Aqui está finalmente! - disse, vivamente, MacCann.

- Aqui estou eu! - disse Stephen.

- Atrasado, como de costume. Não consegue aliar as suas tendências progressivas a um respeito pela pontualidade?

- Essa questão está fora de ordem - disse Stephen. - Vamos à seguinte.

Os seus olhos sorridentes fixaram-se na tablete de chocolate de leite envolta em prata que espreitava do bolso superior do propagandista. Formou-se um pequeno círculo de ouvintes para escutar a troca de piadas. Um estudante magro, de pele cor de azeitona e cabelos pretos e lisos, enfiou o rosto entre ambos, olhando ora para um ora para outro, a cada frase, como se tentasse captar cada expressão no ar com a boca aberta e húmida. Cranly tirou do bolso uma pequena bola cinzenta e começou a observá-la atentamente, fazendo-a rodar.





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