Retrato do Artista Quando Jovem - Cap. 5: V Pág. 222 / 273

Stephen ergueu o boné, numa saudação. Depois, corando levemente, pousou a mão na manga de tweed grosso de Lynch.

- Nós estamos certos - disse - e os outros estão errados.

Falar destas coisas e tentar entender a sua natureza e, tendo-a compreendido, tentar lenta, humilde e fielmente exprimi-la, extrair novamente, da terra grosseira ou daquilo que a produz, do som e da forma e da cor que são os portões da prisão da nossa alma, uma imagem da beleza que conseguimos entender - isso é arte.

Tinham chegado à ponte do canal e, afastando-se do seu curso, seguiram junto às árvores. Uma crua luz cinzenta, espelhada na água lenta, e o cheiro dos ramos molhados sobre as suas cabeças pareciam obstar ao curso dos pensamentos de Stephen.

- Mas não respondeste à minha pergunta - disse Lynch. O que é a arte? O que é a beleza que ela expressa?

- Essa foi a primeira definição que eu te dei, criatura lerda - disse Stephen -, quando comecei a tentar pensar nessas coisas por mim mesmo. Lembras-te dessa noite? Cranly ficou fora de si e começou a falar dos presuntos de Wicklow.

- Recordo-me - disse Lynch. - Falou-nos do raio de uns porcos incrivelmente gordos.

- A arte - disse Stephen - é a utilização por parte do ser humano de uma matéria sensível ou inteligível para fins estéticos. Lembras-te dos porcos e esqueceste-te disto. São um duo exasperante, tu e o Cranly.

Lynch fez uma careta em direcção ao céu cinzento e frio e disse: - Se tenho de escutar a tua filosofia estética, ao menos dá-me outro cigarro. Isso não me interessa nada. Nem as mulheres me interessam. Vai para o diabo, tu e tudo o resto. Quero um emprego de quinhentas notas por ano. E não consigo arranjá-lo.

Stephen entregou-lhe o maço de cigarros.





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